Um homem na cidade



Todo o espaço natural é mais vibrante e são

e o homem carece do contacto com amplos espaços

abertos, onde possa respirar e fruir o ar puro.

Nas cidades, o contacto com a Natureza

é mais ténue, mas não é impossível.

Jardins, árvores ou vegetação

pelas ruas, largos e praças, permitem

que esta ligação entre o homem e o que é de natureza

campestre não se perca. Por isso, é tão importante caminhar

no espaço das grandes cidades – um caminhar que se torna

meditativo, consoante o homem aprende a desenvolver

esta prática enquanto exercício regular. E, deste modo,

todo o aprisionamento que se possa sentir se desvanece e se dilui,

porque, mais livre, o homem acerta o seu ritmo e sentir humanos

com o ritmo e o sentir da própria Natureza.


Escutando o Coração



No imenso tabuleiro de xadrez,

que é a vida, o Coração do homem tem a primazia.

É com confiança que se move cada peça e essa Confiança

tem o seu assento interno no Coração. Num determinado sentido,

a coragem não é senão uma manifestação externa

de que um homem confia em si próprio e é capaz de agir.

É com Confiança que se superam dificuldades e receios e sem a Confiança

não é possível haver destemor. Contudo, na raiz do Coração, também

habita a prudência. E a prudência equilibra e afina todo o gesto e toda a ação

de modo a evitar riscos desnecessários ou problemas previsíveis. Um excesso de

prudência pode, no entanto, paralisar o fluxo de uma ação, limitando,

dessa forma, a manifestação e expressão do homem; mas não há

Confiança nunca em excesso. Nada é mais necessário do que

Confiar. Confiar em si próprio. Confiar nos outros.

Confiar no Universo. E, para isso, basta escutar o Coração.

Cada batida compassada é a demonstração de que se acredita

que, no fluxo e refluxo do movimento da vida, somos sempre

capazes das melhores jogadas neste grande tabuleiro da existência.


O pequeno passo



Um passo de cada vez.

Apenas um passo, por mais insignificante

que aparente ser este movimento. Porque é a partir

de cada pequeno passo que se constrói, e se concretiza,

todo e qualquer sonho da vida. A chave para alcançar

a concretização de um sonho, ou de um grande anseio,

reside apenas em viver bem, de uma forma inteira, cada instante

que é presente. Não se cria uma obra-prima, um romance,

por exemplo, se não se tiver dado toda a atenção a cada linha,

a cada parágrafo, a cada página, que se vai escrevendo

com fé. Seja qual for o anseio, esta Verdade mantém-se exata.

Não se obtém um resultado final satisfatório, sem que

as parcelas ínfimas da sua construção sejam realizadas,

dando o homem toda a atenção ao pormenor e ao detalhe.

Verdadeiramente, semeamos a cada instante os frutos

daquilo que colheremos no futuro. Por isso, não existem

momentos, nas nossas vidas, que sejam desprezíveis.

Do mais ínfimo ao mais significativo, tudo é essencial

no Caminho da nossa jornada da existência.


Transformação interior






O processo de transformação interior de um ser humano pode ter uma analogia perfeita com o processo e as etapas de remodelação de uma casa. Num caso como noutro, em primeiro lugar, há que estabelecer qual o nível de intervenção que é requerido. Pode suceder que apenas uma pequena remodelação seja necessária ou pode ser necessária toda uma intervenção de natureza mais alargada e profunda. Mas quer num caso quer no outro, coisas muito semelhantes têm de ser equacionadas. Digamos que apenas difere o tempo que é preciso para a transformação e os recursos que vão ser empregues.

Um momento prévio, absolutamente indispensável, é o do reconhecimento da necessidade da intervenção ou da transformação. Digamos que, de alguma forma, o indivíduo tem de ter consciência que algo precisa de ser modificado e transformado – e, sendo possível, deve existir na sua mente um certo modelo ideal a ser alcançado. Digamos que há um diagnóstico, uma análise, que determina que algo está ultrapassado, defeituoso, gasto, e que precisa de ser melhorado e modificado. No caso do indivíduo, algo na sua vida se apresentará como desajustado ou não funcional para aquilo que são as suas necessidades de existência plena. Ter consciência deste facto é o ponto de partida indispensável para operar algum tipo de mudança e de transformação.

No caso da remodelação de uma casa, e dando início ao processo, a primeira etapa é a da desarrumação de todo o recheio aí existente. É necessário despejar móveis e desarrumar a mobília, tal como será necessário, a nível do ser humano, movimentar ideias e pensamentos e atitudes que conformam certas rotinas ou hábitos concretos. Ou seja, quer num caso quer no outro, é preciso libertar espaço. É necessário até provocar um certo caos, ou seja, desorganização, para que algo novo possa despontar e surgir.

Depois, ou previamente, é preciso escolher materiais, os melhores e os mais adequados, para uma transformação. A qualidade daquilo que se escolhe, o cuidado na seleção de novas ideias, os contactos, informações, leituras, é absolutamente equivalente à escolha de elementos de qualidade para transformar uma habitação. Se são escolhidos materiais de segunda ou de terceira categoria, o trabalho que se está a ter será quase desperdiçado; pois, a breve trecho, a degradação que se queria ultrapassada surgirá, provavelmente, de uma forma ainda mais aguda.

Segue-se o tempo da obra e da transformação. Poderá ser longo e muito demorado. Poderá até suceder que seja preciso melhorar ou corrigir algo que já foi feito. É também natural que sucedam compassos de espera e tempos aparentemente mortos para que algum material seque ou se acomode. Ou seja, o processo pode ser muito longo e requer mestria e paciência.

Finalmente, quando a obra está completa e realizada, terminada, é necessário limpar e arrumar cada coisa no seu lugar. Também é assim com uma transformação de um indivíduo, o processo só finaliza, quando o homem é capaz de recompor a sua vida, fazendo os reajustamentos que decorrem da mudança que se operou nele.



O Tempo e o Espaço





Invariavelmente, quase toda a gama de reflexões,
na área do pensamento pós-moderno
em torno da vivência e da espiritualidade,
se debruça sobre a importância do Tempo.
Defende-se, justamente, que o passado e o futuro
são inexistentes e que o Homem não dispõe senão de
um eterno agora – ou seja, um Presente, que é um instante contínuo.
De um ponto de vista estritamente filosófico, é correta
esta evidência; contudo, há passado tal como existe futuro! Porque,
na abrangência de uma mente humana, estas categorias
inscrevem-se como relevantes, necessárias e específicas. Do passado, a história,
recolhemos as lições e os casos memoráveis que são, e devem ser, o nosso
esteio de vida no que diz respeito à nossa ação do presente. Sem esse passado,
amnésico, portanto, o indivíduo perderia todos os vínculos sociais e humanos
e seria como um descamisado sem raízes que são a seiva dos ramos. Rememorar
o passado, meditar sobre os acontecimentos, procurar clarificá-los e
compreendê-los, é trazer luz sobre um património imensamente
valioso e traduz-se num cúmulo de Sabedoria. Quanto mais velho mais
sábio… o que devia ser sempre uma Verdade. Quanto ao tempo futuro…
O futuro é a porta da esperança que se abre ante o indivíduo. Como alguém
já disse, com esperança podemos suportar quase tudo. Assim, é o tempo futuro
a visão que temos de um amanhã realizável; adormecemos
mais sossegados, perante a segurança do tempo
futuro que será o novo dia
e a nova manhã, quando acordarmos. O futuro é o tempo
que permite e potencia a dimensão do Sonho,
da inovação, da mudança;
é o futuro o construir no presente o que pode vir a ser –
o futuro é o potencial do génio humano: é dizer «amanhã plantarei
a semente» e poder ver no presente a árvore completa.
Assim que uma vida humana se constrói
necessariamente na dimensão material (e imaterial) de um Espaço
e na múltipla natureza do Tempo.




11. Percurso



          Tenhamos a alegria de dar alegria. Ajamos, no mundo, visando à felicidade e ao benefício dos outros.


Nem sempre é fácil acreditar, e ter presente, que sermos, para os outros, agentes de Paz, de bem-estar e de harmonia, cumpre um objetivo de vida. Na verdade, de algum modo, todo aquele que faz o bem e procede com cordialidade para com outro deseja e carece de uma palavra de apreço do seu semelhante. Não é portanto fácil fazer o bem, proceder com bem, e recolher dos outros o desdém, a humilhação ou o sentimento ínvio da inveja que não dá azo ao reconhecimento de um valor humano.

Nem sempre é fácil; contudo, digamos, que é necessário. É necessário sermos capazes de agir no mundo, tendo como fito a felicidade de quem nos rodeia ou de quem nos é próximo. É necessário este valor maior, totalmente abnegado, de dar o melhor de si mesmo aos outros, e, através dos outros, dar o melhor de si mesmo ao Mundo. Este é o nosso contributo humano e individual – o único possível numa vida. E a verdade é que não há outra forma de contribuir positivamente para o bem comum, o bem do Mundo, se não através daqueles que a Vida colocou ao nosso lado.

Mas há uma linha de fronteira – uma ténue e difícil de distinguir linha de fronteira – que permite a cada um perceber até aonde deve ir na sua atitude abnegada de fazer o bem, quando o retorno é desgracioso ou até violento. E, embora seja certo que cada um tem o seu karma, no sentido de que fazer o bem implica uma atitude particular de um certo indivíduo e que retribuir com o mal implica uma outra atitude particular de um outro certo indivíduo, o certo é que o Bem vence – porque só o Bem pode vencer – e, de algum modo, fazer o Bem implica, de alguma forma, um retorno equivalente desse Bem, nesta ou noutra vida.

 Poder-se-ia dizer que existe nesta atitude, então, uma nota de egoísmo e de interesse pessoal. Mas não é assim. Um indivíduo que, por natureza interior, visa e promove o bem à sua volta, desenvolve uma ação espontânea e natural em si mesmo e, na verdade, nem sabe, nem é capaz, de agir naturalmente de uma outra maneira. O seu primeiro pensamento não é de todo o que ele vai ganhar com a sua ação. O seu ato é antes uma extensão de si  e o seu pensamento dirige-se em direção aos outros e não em direção a si próprio.

E, com isto, se define um certo e particular percurso de vida e não é possível, porque isso iria contra a natureza do seu Ser, um homem ou uma mulher alterar esta que é a base da sua Consciência – congregar, à sua volta, o Bem, a Harmonia e a Paz.


10. Trajetória



          Vigiemos  a imaginação. Nos preocupados,  a imaginação é destrutiva; nos génios, ela é criadora. Conquiste a sua imaginação e leve-a para uma direção construtiva. Use o poder ilimitado da sua imaginação para fazer de si mesmo um retrato mental positivo. A imaginação que tem força para desgraçar, tem poder para salvar.


          Tudo começa e acaba no nosso plano mental. A consciência de nós próprios, e do mundo à nossa volta, advém das características da nossa mente e, por entensão, dos nossos processos imaginativos. Perante um dia radioso de sol, ou perante um dia sombrio de névoa e de chuva, um mesmo indivíduo, ou indivíduos diferentes, podem ter emoções distintas, motivadas e assentes no enquadramento mental em que se encontrem. Uma natureza imaginativa depressiva não encontrará num dia de sol o alento suficiente para uma harmonia interior própria; uma natureza firmemente otimista sublevará a densidade sombria dum momento particular da natureza e encontrará, no fundo de si mesmo, a força e a harmonia que se requerem para um centramento forte e positivo perante a vida. Numa primeira análise, poderíamos afirmar que um certo indivíduo tem uma particular natureza que o define e a ela e por ela está condicionado nos seus movimentos na vida. Mas, de facto, na verdade, não é exatamente assim. Naturalmente que existe uma predisposição particular em cada um de nós. Esta predisposição natural é motivada por aspetos muito particulares da nossa existência humana e pode ir desde o núcleo familiar e de proximidade com outros em que nos desenvolvemos e crescemos, até às condicionantes maiores de tecido social e estrutura política, e até religiosa, de um dado país, ou grupo cultural ou humano em que estamos inseridos. Também a nossa herança genética e as nossas particularidades intrínsecas ao nível da química neurológica do nosso cérebro estão na origem de uma dada predisposição humana em detrimento de uma outra. Mas, apesar de tudo isto ter, inegavelmente, um peso significativo e particular, um ser humano que tenha adquirido um certo grau e nível de Consciência pode, e é capaz, de alterar e modificar, em larga medida, circunstâncias mentais que desfavoravelmente o condicionem. Ou seja, é efetivamente possível a dado momento da vida congregar esforços para direcionar num sentido mais favorável a nossa imaginação. Esta mesma imaginação que nos pode ter desgraçado pode efetivamente, simultaneamente, ser a nossa tábua de salvação; pois é sempre a partir do nosso plano mental que se efetiva uma transformação da realidade interior da nossa existência. E, naturalmente, se existe uma realidade externa, também existe uma realidade interna. E, quantas vezes, não é justamente essa realidade interior que provoca o desmoronar de uma vida humana. Contudo, é possível, através de uma disciplina rigorosa e de um processo que vise uma efetiva alteração, transformar, progressivamente, e, dando pequenos e grandes passos de mudança, ser capaz de controlar a imaginação e ser capaz de a conduzir para um terreno mais favorável. Naturalmente, que este é um processo que pode até ser bastante demorado, ou seja, modificar um determinado enquadramento mental de certo modo fixo e rígido não sucede, como por milagre, de um dia para o outro. Mas, havendo um propósito firme e uma consciência bem estruturada e definida, é, de facto, possível concertar uma transformação. Então, mediante este processo, todo o plano mental passa a estar ao serviço de uma imaginação criativa e mais lúcida capaz de tornar o nosso enquadramento no mundo mais útil a nós e a outros. E, deste modo, as emoções que experimentamos encontram, num alicerce imaginativo do ser humano, uma mais firme e robusta direção, através da qual o homem vivifica e cresce.

9. Roteiro



            Transforme a sua mente em emissora potente de bons pensamentos, de vibrações saudáveis, de sentimentos de paz, fraternidade e benevolência, de irradiação curativa. Passe da mente passiva e descontrolada para a mente ativa e dirigida, emitindo vibrações poderosas de tudo o que é bom e condizente com a felicidade de todos os seres.


            A totalidade do que existe no mundo, e à nossa volta, passa necessariamente pela nossa mente. A forma como apreendemos a realidade é um produto da nossa mente; tal como a forma como nos sentimos ou olhamos a nós próprios e aos outros. A mente, todo o nosso plano mental, pode ser um organismo ditatorial, e por isso mesmo assustador, se desprovido de um mecanismo de controlo, que seja um fiel de balança exato, e que estabeleça um equilíbrio saudável. Perder o controlo, ou não existir controlo, significa que nos deixámos completamente enredar por um fluxo desenfreado de pensamentos, repetitivos, e não raro focados em algo de natureza espúria ou negativa. Digamos que este descontrolo é dominante numa sociedade humana dita civilizada e decorrem deste mesmo descontrolo da mente as ações mais mesquinhas e até mais vis de todos nós. Como resgatar então a nossa mente? Como resgatar então cada um de nós desta dominância que parece impor-se-nos como uma fatalidade humana? A resposta parece ser óbvia – podemos aprender… Se acreditarmos que uma vida humana, a nossa vida humana, a vida humana de cada um de nós, é acima de tudo uma caminhada de aprendizagem e de progresso, a questão de aprendermos, no curso da vida, algo que, inicialmente, não dominamos, é algo que fará todo o sentido. Ou seja, se eu não me considerar um produto acabado, mas sim uma entidade viva em transformação, e em evolução, eu estarei mais recetivo a aprender e entenderei que me é necessário o aperfeiçoamento nos limites das minhas capacidades pessoais e humanas. Hoje em dia, curiosamente, este conceito está tão presente ao nível das áreas tecnológicas, e em todo o progresso dito científico, que as sociedades modernas apontam como necessidade premente de todo o indivíduo o seu dever de procurar a atualização de conhecimentos e buscar a informação. O avanço é exponencial. As mudanças nas sociedades são constantes. O progresso parece não parar ao nível da técnica e cada um de nós tem de procurar acompanhar esse progresso… Digamos que o que está na base, para o homem, quer se trate da sua evolução humana quer da sua evolução técnica, é a mesma coisa. Ou seja, trata-se de uma necessidade de aprendizagem de domínio e de superação de dificuldades. Podemos, pois, portanto, aprender a controlar a nossa mente. Isto requer acima de tudo paciência, vontade e prática. E ainda a certeza de uma determinação concreta que nos garanta que esta ação pessoal é um bem para nós próprios e para os outros. É célebre a afirmação de que, quando se é jovem, se quer transformar o mundo, que, mais tarde, queremos transformar os outros à nossa volta, e, finalmente, que, quando se atinge o meio da vida, não queremos senão transformarmo-nos apenas a nós mesmos. E, nesta consciência final, de que apenas a nós podemos mudar, está a garantia da real e efetiva transformação e mudança do mundo. Talvez que, para isso acontecer, para o mundo se transformar, mais não seja necessário do que, cada um de nós, cuidar da sua mente, como um jardineiro cuida com esmero de um jardim. As ervas daninhas terão de ser arrancadas, as árvores e as flores podadas, rega e o cuidado terão de ser constantes, e isto irá permitir que as mais belas maravilhas da natureza floresçam; que floresça também cada um dos nossos pensamentos e que cada um deles represente um bem para cada um de nós, para os outros e para o mundo à nossa volta. Então, a forma como apreendemos a realidade será necessariamente condizente com o propósito novo, e mais autêntico, que, no fundo, cada um de nós projeta à sua volta.

8. Itinerário


Selecione as suas companhias. Analise os grupos de que faz parte.

         No confronto da realidade diária e quotidiana, o aspeto que ressalta, e que é mais relevante, é o do nosso encontro com os outros. Toda a dinâmica da nossa existência se estabelece tendo por base as relações que desenvolvemos com todos aqueles que nos rodeiam e os grupos que, voluntariamente, integramos. É bem certo o ditado: “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”. Na sabedoria popular, este ensinamento, que se expressa de uma forma tão simples, encerra uma grande verdade. De facto, nós, todos nós, somos permeáveis aos outros. E, de certa forma, os outros são um espelho de quem nós somos. Digamos que cada ser com quem eu me relaciono reflete uma certa imagem de mim, uma certa parte, ou partes, de mim, de quem eu sou, da minha verdadeira natureza. Por isso, devemos estar atentos ao reflexo de nós próprios que se manifesta em todo e cada um dos seres com quem nos relacionamos. Se os nossos amigos são agressivos, maldizentes, arrogantes, egoístas, mesquinhos, é sinal de que algo disso mesmo existe em nós próprios. Pode não existir no mesmo grau de grandeza, mas seguramente algo dessa qualidade está presente no nosso ser mais íntimo. Caso contrário, a Vida, a partir de nós próprios, encarregar-se-ia de criar um afastamento ou uma cisão. E isto é tanto verdade que qualquer indivíduo que se encontre numa caminhada de amadurecimento interior verifica que a realidade exterior vai também ela mudando à sua volta. Manifestação disto mesmo é o afastamento de certas pessoas na sua vida. Na maior parte dos casos não há zanga nem fricção. O que apenas acontece é um processo natural de distanciamento motivado pelo facto de já não existir uma dinâmica de interação entre duas ou mais pessoas ou entre uma pessoa e um grupo. Digamos que as características do indivíduo se transformaram e os outros já não são mais o espelho da sua natureza. Não raro, este itinerário de vida, é desafiador. O indivíduo que não cristaliza numa forma estática encontra, no seu caminho, as dificuldades próprias do processo que está a realizar. E essas dificuldades são que, não raro, muitas vezes, se tem de confrontar com a realidade de não existirem outros à sua volta. Contudo, se o seu processo de transformação interior for dinâmico e saudável, o indivíduo pode estar certo que esses momentos são apenas transitórios. Do curso natural da vida, resultará um equilíbrio, traduzido no encontro com outros e novos seres ou grupos, capazes de potenciar aquele que é o patamar da nova maturidade alcançada. Por isso, é tão importante refletir e analisar a dinâmica da nossa relação com os outros. Estar ao lado de alguém sem convicção, participar em diálogos sem um envolvimento de verdade, ser por imitação e apenas para colher uma falsa ideia de pertença são procedimentos absolutamente errados e apenas ditados por uma imaturidade interior que se traduz numa falta de confiança em nós próprios e que não promove o florescimento do nosso eu real.

            

7. Curso


A confiança na Vida é como o vento que sopra. Isto é, sem confiança, o esforço humano é inoperante, rende pouco.

            Como todas as coisas importantes, a confiança na Vida, segue um curso favorável se soubermos agradecer tudo na nossa existência, mesmo o que, à primeira vista, se afigura como negativo ou até dramático.
            A confiança na Vida não se expressa, contudo, em palavras, mas, sim, nas nossas acções. O que importa é o que faço e como reajo perante uma adversidade. Se tomo a atitude de me lamentar e cristalizo nesse lamento, tornando-me incapaz e vítima das circunstâncias, então demonstro que não tenho confiança na Vida, e tudo o mais que suceda, provavelmente, será a confirmação desta minha crença interna e de nada me vale o que possa dizer. Pelo contrário, se reajo com a certeza de que o bem chegará e que, de alguma forma, as coisas se modificarão, se não perco tempo com lástimas e comiserações, e avanço, chegará o momento em que a situação necessariamente se transformará a meu favor.
            Este é o espírito da Roda da Fortuna. A roda gira, não está imóvel, e tal como ela a vida tem altos e baixos. O segredo está em ter confiança e saber que o movimento é cíclico e que há momentos em que é necessário aguardar com calma pelas transformações que hão-de ocorrer, tendo o homem, como parte activa, uma acção confiante e não desanimadora. Cruzar os braços inibe-nos de acompanhar o movimento da roda e seguir o seu ciclo. Saber precaver-nos perante os momentos mais difíceis e saber aguardar com serenidade pelas alturas mais favoráveis, é o ideal que devemos procurar alimentar em nós.
            O desalento que mortifica nunca é bom conselheiro e de nada serve quando as dificuldades carecem acima de tudo e sempre de uma acção desencadeadora, que movimente a dinâmica do processo, que se traduz  no movimento da própria roda. Confiar na Vida é também sinónimo de confiarmos em nós próprios, sem ficarmos à espera que alguém ou algo exterior a nós venha resolver o assunto ou o problema. Tomar decisões, agir, mas sobretudo pôr de lado as vozes das lamentações, da desesperança e da autocomiseração.
            Ser vítima, de nada serve. Não raro, colhemos o que semeámos, e as nossas vidas espelham o resultado dos nossos actos. O curso da existência é simples. Tenho eu confiança em mim própria e acredito nas minhas capacidades? Ou aceito resignada qualquer situação e depois lamento-me de que a minha vida é adversa e está além das minhas potencialidades e sonhos?

            O curso da existência é justo e equilibrado e, as mais das vezes, para nos permitir reorganizar, a vida põe-nos frente a um problema, que, sendo resolvido, nos colocará numa melhor e mais desejada situação. Por isso, confiar no curso da vida é a mais simples forma de ter fé. A fé não carece de explicação, limita-se a ser. E a sua única autenticidade é mesmo essa. Manter a mais perfeita convicção que tudo na nossa vida acontece para o bem é a mais verdadeira e amadurecida forma de ser. O que significa  também que, não importa a vereda em que nos encontramos, se, acima de tudo, confiarmos na Vida.

6. Vereda

A principal missão do homem, em sua vida, é dar à luz a si mesmo e tornar-se aquilo que ele é potencialmente.

       Doutrinas, dogmas, ou rituais, ou livros, ou templos, são somente detalhes secundários. Nós somos o que imaginamos ser. O facto de existirmos é determinante para que possamos actualizar a nossa potencialidade. Daí a importância da palavra e do pensamento positivo como forma de impulsionarem uma transformação significativa, dando luz a um novo ser nascido da potencialidade que cada um de nós traz para a sua vida.
É verosímil e provável que tenhamos consciência de que, ao longo das nossas vidas, não só nos vamos modificando e crescendo, como, não raro, em determinados momentos, temos consciência de darmos à luz um novo eu. Isto acontece, sobretudo, após um período, que pode ser longo, de análise e estudo do ser; ou como resultado de circunstâncias, que tantas vezes, à partida, pareceram adversas ou desprovidas de sentido claro. São veredas insuspeitas, estes caminhos que a Vida vai escolhendo para nós e que permitem uma verdadeira transformação interior.
Mas, nada disto, neste processo, é secundário. Verdadeiramente, ele é essencial - é mesmo o que de mais importante podemos fazer com as nossas vidas, com o facto real, objectivo e concreto de existirmos. Na sua essência, o homem detém a capacidade de progredir e de se aperfeiçoar. É a isto que visa a existência, o estudo e o saber. A sabedoria é, em particular, a consciência que o homem tem de que pode, a cada passo da sua vida, melhorar e progredir, transformando-se.
Não há missão mais importante, excluindo, naturalmente, o que são as nossas responsabilidades pessoais e colectivas na nossa vida em sociedade. Mas quando o homem encontra tempo e disponibilidade para si mesmo, tudo à sua volta se conjuga de modo a dar- lhe verdadeiras oportunidades de transformação.
Será que para isto é necessário um recolhimento e uma situação privilegiada? Claro que não. A Vida na sua grandeza providencia a todos nós o espaço-tempo necessário e adequado para serem operadas as mudanças, tanto que estejamos conscientes, que despertemos, para a necessidade de melhorarmos, de nos aperfeiçoarmos, de progredirmos. Para isto acontecer, basta querer e basta entender que o objectivo do ser humano é o aperfeiçoamento decorrente do ganho de consciência.
Não há momento mais belo na vida, que não aquele em que tomamos consciência que somos uma nova pessoa acabada de nascer com todas expectativas e potencialidades de um ser novo sobre a Terra. Desperta em nós um novo olhar sobre as coisas e a realidade e percebemos que pensamos e sentimos diferentemente do que pensávamos ou sentíamos há uns meses ou há uns anos atrás. Despertada uma nova consciência e um novo ser. posicionamo-nos na vida com um outro sentimento mais robusto, mas também mais jovem, que nos torna empreendedores e receptivos a diferentes desafios e a diferentes situações. Jorra, então, em nós uma frescura de Primavera recém chegada e acreditamos que temos forças antes insuspeitas. É um júbilo e um alegria. Como perante qualquer nascimento, sentimos amor e ternura por nós próprios, e entramos na vereda novíssima da realidade pura que somos, enquanto seres dotados de inteligência e intuição verdadeiras. Esta é a mais nobre missão do ser.



5. Via

 Aquilo que, quando nos falta, nos dá infelicidade, é objecto da nossa identificação.  Desidentificarmo-nos é um passo importante no processo do nosso crescimento pessoal.

            À medida que avança na desidentificação, o homem vai-se tornando cada vez mais invulnerável aos acontecimentos, às coisas, factos, pessoas e até ao seu próprio corpo físico. Eu não sou o meu emprego. Eu não sou a minha casa e o meu automóvel. Eu não sou o meu corpo, que adoece, envelhece, morre. Eu sou isso, mas sou igualmente para além disso.
            Sentimo-nos resvalar, quando, alguma coisa que pensamos, ilusoriamente, que nos dá segurança, se perde. E isso, justamente, é o mais natural na vida, pois a essência da própria vida é a mudança e a transformação. Nada permanece para sempre. Tudo está sujeito a um dinamismo. Então, porque é tão difícil para nós perder alguma coisa? A resposta está na identificação que fazemos entre nós (a nossa personalidade) e as pessoas, as coisas ou os objectos.
            Se o meu referente pessoal de identidade, afirmação e segurança, estiver centrado no meu automóvel, sentir-me-ei infeliz se o perder, se ele for danificado ou qualquer outra coisa ocorrer. Se o meu referente pessoal de identidade, afirmação e segurança, estiver centrado numa outra pessoa, sentir-me-ei em desequilíbrio, se essa pessoa me faltar ou se afastar ou eu a perder. Se o meu referente pessoal de identidade, afirmação e segurança, estiver centrado numa circunstância ou situação específica da minha realidade, sentir-me-ei perdido se ela se transformar.
            Justamente este é o equívoco em que vivemos. Vivemos dependentes de tudo o que é exterior a nós, em vez de seguirmos a via da identificação interior com o nosso ser a nível da alma. Ora, cada vez mais, a sociedade, sob todas as formas, favorece as identificações entre nós as coisas e os outros. E, incautamente, deixamo-nos enredar em todo este processo, que condiciona o nosso ser e lhe retira capacidade de expansão e de desenvolvimento.
            Podemos viver toda a nossa vida num processo cumulativo de identificações permanentes e sucessivas, sem nunca darmos atenção àquilo que é, de facto, a nossa natureza substancial. Mas, também, podemos um dia despertar deste equívoco e avançar por uma nova via. O desconforto inicial é evidente. Faltar-nos-á, muitas vezes, o chão de uma pretensa, e ilusória, segurança, quando nos deixamos de identificar internamente com algo exterior a nós. Durante o processo, parecer-nos-á que a nossa identidade está ameaçada, que nos falta algo para ser reconhecidos pelos outros e também, e sobretudo, por nós próprios. E, não raro, a infelicidade e o desequilíbrio advêm da perda desse sentimento de identidade, tão necessária, mas que é falsa.
            No entanto, quando reagimos com inteligência a estes sentimentos negativos, percebemos que o nosso eu-interno está muito para além de tudo o que é exterior, perecível e mutável. Muito para além disso, estamos nós mesmos – está a nossa alma, que é a fonte de toda a verdadeira identidade – e a imagem que manifestamos de nós aos outros não radica num conjunto de factores externos, mas sim na internalidade daquilo que somos.
            Necessariamente, ganhamos confiança e tudo começa a abrir nas nossas vidas. As transformações, as perdas, as coisas, a materialidade e o exterior que nos rodeiam passam a ocupar um lugar não preponderante nas nossas vidas e deixam de ser objecto de identificação. Uma pessoa, uma coisa, algo de físico ou material, são vistos como circunstâncias presentes, com as quais, de modo algum, eu me identifico. Tudo isso será manifestação simples do meu presente e das minhas condicionantes de vida, mas há uma identidade própria, pessoal, que está para além disso e é ela a minha segurança; é ela que dinamiza o eu estar fisicamente presente; é ela a via para a minha felicidade individual. 

              

4. Trilho

Diante das nossas desventuras (e as dos outros) procuremos ficar serenos e silentes, para  que possamos observar emocionalmente isentos o que está acontecendo. Quando interferirmos seja para acertar. A humanidade está precisando da ajuda dos homens e mulheres, que conservam lucidez e coerência e que, portanto, podem fazer algo.

            Há um problema duradouro: perante uma dificuldade, uma desventura, envolvemo-nos emocionalmente, e não raro perdemos a capacidade de analisar a situação de uma forma isenta, lúcida e coerente. Isto marca o trilho das nossas vidas e condiciona-nos a uma esfera de acção pobre e instintiva, de que é difícil libertarmo-nos.
            Mas, justamente, o necessário é que, na nossa esfera pessoal e na esfera dos outros, sejamos capazes de adquirir uma necessária serenidade que não deve ser confundida com frieza ou indiferença.
            Ninguém questiona que a vida está repleta de dificuldades, desencantos e problemas. Um ideal de existência não existe e todos nós, mais certo ou mais tarde, nos deparamos com amargores, alguns terríveis e avassaladores, que assaltam sem aviso as nossas vidas. Também à nossa volta a perfeição não existe. Observamos problemas e dificuldades, infelicidades, doenças, mortes dramáticas, e um mundo que, longe de ser equilibrado, manifesta um total desrespeito pelo ser e pela própria vida, com misérias de toda a espécie, corrupção, guerras, fomes, padecimentos.
            É difícil manter a serenidade perante tudo isto. É difícil, também, manter o silêncio. Há sempre uma emoção que desponta e uma palavra que tem de ser dita, mas, as mais das vezes, é dita como manifestação de uma emoção que explode sem controlo face às circunstâncias. Não é bem que assim seja. Não é bom que a palavra dita e a acção praticada seja consequência directa de uma emoção mal gerida, dentro de nós, sendo expressão de uma reacção instintiva.
            Melhor será conseguir olhar. Pensar com serenidade. Ser capaz de observar os diferentes aspectos do problema. Ser capaz de interiorizar primeiro o acontecimento, e só depois actuar, intervir através da palavra ou da acção ponderadas.
            Aquilo que verdadeiramente distingue o homem é, justamente,  ser capaz da acção ponderada e não meramente instintiva, esta última só faz sentido perante um sinal de perigo ou de necessidade de sobrevivência. Em todos os outros casos, é benéfica a ponderação e a serenidade. Perante um  problema  grave e que influi negativamente na minha vida e na vida dos outros, fazer, primeiro a análise dos diferentes aspectos da questão (há sempre em tudo aspectos positivos e negativos) e agir depois.
Nestes casos, a resposta que vem do instinto é sobretudo uma resposta dominada pelo medo e que não é isenta. O medo tolda o raciocínio e a capacidade de acção. Também a emoção instintiva não é a melhor conselheira, domina a mente e perde-se um rasgo de acção consequente. Claro que o ideal é ser capaz de rapidamente raciocinar com isenção estabelecendo uma análise objectiva dos acontecimentos. E agir com uma  finalidade abrangente e não egoísta. Muitas vezes os problemas pessoais resolvem-se melhor se perspectivarmos uma finalidade ou objectivo mais abrangente que envolva outras e diferentes pessoas, do  que se nos detivermos na nossa vertente pessoal e egoísta de vida. Tudo no trilho da nossa vida deve, na medida do possível, procurar antever a uma objectivo e significado maiores. O que posso eu fazer pelos outros com a minha acção pessoal; ou como posso contribuir para a resolução do meu problema com vantagem também para outras pessoas. Esta dinâmica vivifica a vida, dá-lhe ânimo e brilho e torna tudo na existência mais suave e pleno de significado.
            O silêncio e a isenção (pessoais e em relação aos outros) não podem ser confundidos com indiferença ou indolência. Há toda uma voz que se ouve, numa mente capaz de, fazendo silêncio, posicionar-se no trilho da vida.




3. Senda

Conhecer-se a si mesmo é desiludir-se. Desiludir-se é progredir.

            Os obstáculos que mais dificultam o julgamento de nós mesmos são a auto-complacência, a autopiedade, e a severidade. Qualquer destas atitudes é fonte de alguma espécie de ignorância. Para se conhecer a si mesmo, é necessária uma atitude de isenção, coragem e tranquilidade. Aceitarmo-nos tal como somos, é, na verdade, a única maneira de conseguirmos saber o que precisamos transformar em nós.
            Esta é a senda de qualquer ser humano. Verdadeiro ponto de partida imprescindível para qualquer que seja a caminhada de progresso que se queira realizar. Não há como ser muito espiritual, ou moralmente muito digno, sem que antes se tenha feito um verdadeiro exame de consciência, uma auto-análise rigorosa, através da qual nos desiludimos em relação a nós próprios.
            Justamente, muitos temem (ou não são capazes) fazer esta análise interna de uma forma verdadeiramente autêntica. É doloroso verificarmos que, no fundo, não somos seres completos no sentido de perfeitos. E, sobretudo, que as máculas que observamos nos outros estão também contidas em cada um de nós. No entanto, este exame imparcial é a substância e fonte de uma transformação vivificadora. Verdadeiramente capaz de produzir milagres nas nossas vidas. O conhece-te a ti mesmo é o mecanismo de acção real que transforma, redime e impulsiona.
            Não há caminhada transformadora que não passe por este processo. O resultado, como em tudo significativo na vida, não é imediato. Todo o processo carece de uma lentidão indispensável para se consolidar como evolução. Mas, a dinâmica mais significativa é a capacidade de pormos de lado uma ideia simples que é: «eu sou melhor do que os outros». Isto implica abandonar o criticismo e ver com um olhar isento, sendo que se consiga criar distanciamento. Isto implica sermos o observador de nós próprios, não com a atitude de julgarmos como bom ou mau aquilo que somos e fazemos, mas com uma postura construtiva e transformadora, que visa ao aperfeiçoamento. Implica, também, o uso de uma fórmula simples e afirmativa, em todas as circunstâncias, que é: «eu sou capaz».
            Com esta atitude de isenção e desapego em relação a nós mesmos, podemos então observar quem somos. Gostaremos de umas coisas, que podemos, ainda assim, sempre aperfeiçoar, e detectaremos outras que convém corrigir, mudar ou dissolver. Sempre amorosamente observando, e estando conscientes de que ninguém é um produto acabado e como tal perfeito.
            O que posso fazer melhor? Quais são os meus pontos fortes? Quais são também os meus pontos fracos? Se mudasse este ou aquele aspecto, o que aconteceria na minha vida e na pessoa que hoje sou? Estas podem ser questões desencadeadoras de uma análise isenta e distanciada, sem medo, nem raiva, nem pena, nem desculpabilização.

            Mas, acima de tudo, o que é fundamental, é assumirmos uma postura de responsabilidade. Eu sou responsável porque quem hoje sou. Não sou vítima das circunstâncias nem dos outros. Sou o resultado das minhas escolhas, procedimentos, pensamentos e atitudes. Com esta postura dinâmica estamos prontos para entrar na senda da transformação vivificadora e construtiva a nível do eu e da personalidade.

2. Caminho

capacidade de discernir entre o falso e o verdadeiro, entre o efémero e o eterno, é discriminação. Esta faculdade é a luz do espírito (o eu-interno) que vê além das aparências. Uma mente discriminadora não cai presa das ilusões do mundo, vê para além das sombras da realidade; não está presa ao medo e ao apego. A discriminação é sabedoria.

            Um ser humano (penso) deve ser auto-suficiente. Esse é o primeiro e derradeiro passo para alcançar a capacidade de discriminar. Não importa tanto avaliar se o discernimento é feito com sagacidade; porque o que é importante, de facto, é que sejamos capazes de ver algo genuíno, vindo do nosso ser, para além dos traços palpáveis da realidade, espelhados no olhar da maioria daqueles que nos rodeiam. Justamente, sermos capazes de nos orientarmos pela nossa visão pessoal e de imprimirmos uma diferença na nossa vida, independentemente da visão dos outros, é o mais importante.
             Quando isso, finalmente, em algum momento, sucede, alcançamos a verdadeira liberdade, que, não sendo uma liberdade absoluta, nos permite, ainda assim, confiar em nós mesmos. A partir daí, pouco importa como os outros, a sociedade, os amigos, os conhecidos, nos vêem e olham para nós. De pouco importa, se é extraordinário ou não aquilo que fazemos; o que interessa, verdadeiramente, é que distinguimos o falso do verdadeiro, à luz da nossa vivência interna e pessoal, que é o foco irradiador da nossa autenticidade particular, única e inconfundível - que é o que é realmente genuíno.
            Poderemos chamar a isto sabedoria. Uma sabedoria interna, instalada no mais profundo do nosso ser e que se alimenta, justamente, do nosso rasgo de agirmos sem estarmos coagidos pelo medo das circunstâncias. Esta é uma das muitas ilusões do mundo que é preciso dissolver, criando uma segurança interna que nos permita ser livres mesmo, independentemente das condicionantes específicas das vidas de cada um de nós.
            Ninguém alcança a capacidade de discernir, sem que antes tenha alcançado a liberdade que lhe permite ter um olhar diferenciado sobre a realidade e as circunstâncias. As sombras que obscurecem o ser estão continuamente ao nosso lado e delas dependemos, quando, para ser e para agir, carecemos da aprovação dos outros, e nos tornamos incapazes de discriminar autonomamente. O problema é que desde que nascemos vivemos nesta prisão e não conhecemos (e até tememos) a ideia de liberdade. As vozes que nos envolvem advertem-nos sempre para o perigo da emancipação, para o perigo de pensarmos por nós mesmos, para o perigo de perseguirmos a nossa autenticidade. Assim, não há discernimento possível, porque estamos acorrentados ao ideário comum de todo o cidadão ilusoriamente bem comportado, que, ainda que viva preso, pensa que se sente feliz, porque vive uma vida igual que não contém riscos, pois não põe em causa, através de si mesmo e da vida que vive, nada a nenhum nível da sociedade, quer no campo do pessoal quer no campo do colectivo.
            A prisão torna-se então doce, e é querida. Desejamos ser dependentes e desejamos também que os outros sejam dependentes de nós. Tudo pode ser escuro à nossa volta, mas desejamos que antes assim seja do que rompermos as grades do medo que nos apavora e tomarmos as rédeas claras de uma vida livre, que envolve sempre o risco da escolha e do erro no discernimento. Mas antes o erro. Pois o erro representa uma mais avançada etapa no nosso percurso de crescimento e maturidade. Antes o erro do que um falso caminho de pretensa segurança, onde para sempre seremos escravos de nós mesmos, alheios à grandeza de todo o gesto livre, que, no final, sempre nos conduzirá vitoriosamente à sabedoria de uma acção consequente, porque capaz de discriminar.



1. Rota

O estudo do Ser, através da leitura de livros sagrados de todas as tradições religiosas e de toda a verdadeira literaturafilosófica ou outra, é uma forma de nos aproximarmos daquilo que é a realidade da existência.

            A ninguém espanta que o estudo seja uma componente essencial do quotidiano de cada ser humano. É equívoco pensar que o estudo corresponda exclusivamente a uma etapa infantil ou juvenil das nossas vidas. Ao emancipar-se, ao tornar-se adulto, ao homem cumpre continuar a estudar, contribuindo isso para manter  uma mente lúcida e receptiva até ao final da sua vida. Naturalmente, buscam-se áreas de interesse particulares consoante os indivíduos. É natural e compreensível que assim seja. Contudo, há uma questão básica, essencial, que atravessa todo o espírito humano em algum momento, e que está relacionada com a interrogação sobre o sentido da existência. Para esta questão, não há uma ciência, não há um saber, que se possa convocar ou memorizar, e que responda à nossa interrogação. Embora seja uma questão universal, certamente a mais universal de todas as questões, não há uma resposta assertiva. O que há, sim, é uma  multiplicidade de perspectivas decorrentes de múltiplos factores, desde geográficos e históricos a culturais. Diferentes povos, em diferentes momentos das suas histórias, encontraram respostas diversas, mas não será estranho constatar que em todas elas há uma base matricial comum, antiquíssima, e certamente, há muito, perdida no tempo.
            O estudo dinamiza não só a nossa mente como produz resultados positivos nas nossas vidas quotidianas, ao abrir-nos portas para uma atitude mais consciente e mais madura na nossa vivência do dia-a-dia. Uma mente aberta e esclarecida não põe de parte perspectivas diversas, antes as integra num todo polimórfico e produz, a partir  daí uma síntese pessoal, que não nega a autenticidade, sã e inspirada, de ideias genuínas.
            Para isto, o homem não tem necessariamente de se assumir como um ser religioso, a menos que se entenda como ser religioso todo o indivíduo que tem uma postura pró-activa de entendimento do sentido da existência. Na verdade, o estudo, através da leitura de um romance, de um poema, de um ensaio, de um texto filosófico, religioso, ou outro, acaba sempre por nos levar à questão fulcral que é: qual é o sentido da vida? O estudo, e a leitura, levam-nos sempre ao encontro do Ser e da natureza humana na sua dinâmica de existência real. Todo o grande pensador, todo o grande poeta, todo o grande filósofo, de algum modo fazem-nos reflectir sobre esta questão.
            E, justamente, neste ponto, o mais importante é a síntese que fazemos. O discernimento que alcançamos a partir da vastidão do nosso estudo. À partida, sabemos que não encontraremos uma resposta, mas apenas aproximações ao que é a realidade da existência. Mas há aqui todo um dinamismo que é essencial. Nós somos seres em evolução e em  acção mental permanente. A cada dia a nossa perspectiva é enriquecida com algo mais e, embora não atinjamos uma resposta concreta, pensamos e intuímos uma verdade, quanto mais a buscarmos.

            O que se pretende com a ideia de estudo é a não cristalização num modelo rígido e pré-definido assumido como a verdade absoluta. O estudo ensina-nos justamente que não é possível aceder à verdade, mas sim a verdades, que como peças de um gigantesco puzzle cabe a cada um de nós, individualmente, pelo crivo do seu pensamento e discernimento, ir intuitivamente montando. Através da prática do estudo aproximamo-nos de nós próprios e isso é justamente a aproximação possível ao sentido da própria Vida é, na verdade, a nossa rota de espírito. 

Da personalidade à individualidade



Que aventura é esta, na qual nos encontramos,
no meio da sociedade e da vida?
Esta é a aventura da existência: este é o desafio
de encontrarmos em nós próprios algo mais do que
uma personalidade, moldada e adaptada ao quotidiano
e aos outros, moldada e adaptada às regras que
obedecem às vozes que pululam à nossa volta. E esse
algo mais é a nossa individualidade una, pessoal,
irrepetível.
Muitas vezes, o mal estar que advém em nós sucede
do despertar desta individuação, em que ao mesmo
tempo que não nos reconhecemos já na imitação do comportamento
do colectivo, ainda não adquirimos uma acção própria
e individualizada. Este período de transição pode ser longo;
trata-se de um despertar cheio de avanços e de recuos, em
que as dúvidas e as incertezas estão presentes.
Sempre é mais cómodo, e aparentemente mais seguro,
sacrificarmos o caminho da nossa verdade se ele nos afasta
do caminho trilhado por todos os outros. Na verdade, somos
e estamos condicionados, desde que nascemos, e isso
impede-nos de ver e observar para além do enquadramento
mental do colectivo.
Mas, a verdade, é que cada um de nós é um ser, é um indivíduo.
E, enquanto indivíduo, projecta-se a partir de nós uma
autenticidade própria e única à qual precisamos de dar forma.
Qualquer sociedade, para conforto e tranquilidade, quer-nos
cópias repetidas, previsíveis e programadas. Estas cópias idênticas
não põem em causa estruturas, instituições, normas. Estas
cópias idênticas adaptam-se porque foram programadas para
se adaptarem. Não questionam nem tão pouco se interrogam.
Aceitam. Justamente, ao contrário, quando alcança a individualidade,
o ser adquire uma consciência nova e mais profunda,
que lhe permite prosseguir sem condicionamentos.

E, então, o que o orienta é a sua verdade interna.

A lógica e a imaginação



A dualidade que existe no universo, existe,
de igual modo, dentro de nós próprios. Está presente, na nossa
mente, uma polaridade evidente entre o raciocínio exacto e a
lógica e a vertente da intuição e da imaginação subtis.
Não raro, uma tende a predominar sobre a outra.
E, num mundo físico e material por excelência, é natural
que se privilegie o factual e o demonstrável. É até bom
que assim seja, sem ordem e normatividade, as sociedades
não sobreviveriam e o homem, como um todo, entraria
em desagregação. Porém, uma existência, individual, social,
política, ou outra, não se desenvolve se as qualidades
emergentes de uma mente viva e imaginativa forem ignoradas.
Os desequilíbrios tão acentuados que, hoje em dia, observamos
decorrem desta desarmonia interna.
Sempre que estamos perante dois pólos, tem de haver dinâmica, movimento
e interacção entre eles; caso contrário, a estagnação de um
provoca o adoecimento do todo. Matar a imaginação ou matar
a lógica representa um perigo absoluto para o homem.
Eliminar uma destas dimensões da mente representa o
desagregamento do ser. Hoje, não raro, sem espaço para o domínio da
mente imaginativa, o homem adulto fica aprisionado e
emparedado numa dimensão da existência que necessariamente
o desumaniza e lhe provoca dor e sofrimento. Reduzido ao
terreno das equações e da ciência e técnica, não resta ao
homem senão acreditar no prolongamento da vida e na
eliminação da morte, negando o que, tal como no universo,
existe dentro de si próprio.
Quando em equilíbrio, o ser humano adulto tem consciência da
da sua mente dual e não despreza aquilo que em si
o liga ao universo mágico da criança. E, justamente,
dessa magia, desse fantástico, está o mundo carente, pois
necessita de idealizar, transformar-se, recriar-se. Uma
realidade sem utopia é sinónima de um universo
que se esqueceu de que no sonho
está contida a forma de todas as coisas. Sendo que
o contrário também é verdadeiro.




Aldeia global



Podem-se procurar mil e uma filosofias;
pode-se ir ao encontro de múltiplas religiões,
sabedorias, conhecimento, ensinamentos; pode-se
estudar e aprender conceitos e técnicas e modalidades
de vida… mas, sempre faltará ao homem alguma coisa,
se, não buscando, não for ao fundo de si mesmo.
Este é o grande desafio que se vive hoje, num momento
de existência tão complexo: um momento de existência
de fim de ciclo. Nunca o saber e o conhecimento
estiveram numa escala tão elevada ao dispor do ser humano,
contudo, não assistimos no dia-a-dia, à construção de uma
sociedade mais justa, mais fraterna, mais livre. Paradoxalmente, até,
a realidade é, sob múltiplos pontos de vista, cada vez mais desigualitária e,
consequentemente, o homem tem menos liberdade, condicionado
por factores económicos, sociais e políticos, que conduzem à
exploração do outro por qualquer preço. A aldeia global em que
vivemos não é fraterna nem solidária.
Porque razão é que isto sucede? Sucede, porque não basta o
conhecimento, a teoria e o saber. Sucede, porque é necessária
a transformação do homem – e essa é a revolução que ainda
não se concretizou.
O saber e o poder sem a consciência são, tal como observamos hoje,
extraordinariamente perigosos. Sem uma consciência amadurecida
pela análise pessoal e a introspecção não pode o homem
construir uma sociedade mais justa. Pode-se até gizar o plano
ideal de uma ideal sociedade perfeita – mas, não tendo o homem,
em larga medida, atingido um nível de amadurecimento
não é possível construir um mundo onde o equilíbrio e a justiça
sejam reais.
Por isso, nada é mais importante do que a maturação do ser humano.
A verdadeira escola é aquela que nos ensina a pensar e a inteligir
em nós mesmos o que no mundo está em desarmonia. Mudando-se
o homem – transformando-se verdadeiramente de uma forma radical –
a sua individualidade nova trará um acréscimo de equilíbrio para o mundo.
É o amadurecimento de cada um que pode revolucionar o presente
e o futuro. Os tempos pedem, exigem, uma alquimia a cada homem;
e esta alquimia não se encontra, como lição, nos manuais – ela carece
de uma transformação de natureza interior, pessoal, única, e
intransmissível.



No movimento do mundo



Na existência, nada é dispensável.
O claro e o escuro fazem parte da essência da Vida
e, como tal, fazem parte de cada um de nós.
As nossas raízes estão na Terra, mas é para o alto
que as árvores crescem e é para o alto que o homem
deve também ascender. Pois, onde há equilíbrio, há a
movimentação de opostos.
Não existe, para o homem comum, uma plenitude
sem que o ser humano mergulhe na alegria e na dor,
no sofrimento e na satisfação; e inteligentemente, no
paroxismo destes opostos, o homem encontra o ponto de equilíbrio,
se souber entender que desta dinâmica nada deve ser rejeitado,
mas, sim, integrado. Iluminar a dor e a alegria é dar sentido
às coisas – e tudo o que tem sentido torna-se justo e equilibrado.
Por isso o homem deve caminhar na Terra, com os pés bem firmes,
e conscientemente desperto, ao mesmo tempo que tem
consciência que para além desta dimensão material, outras dimensões
estão presentes. Anular uma em detrimento da outra gera, naturalmente,
o desequilíbrio e não promove uma vida saudável e dinâmica.
E justamente, tudo no Universo apela ao dinamismo em nós
como forma de vivência plena e integral.
Quando o homem sente que lhe falta alguma coisa é porque não está
a caminhar em todas as direcções; é porque está preso numa
dimensão da existência, ignorando que na dinâmica da vida
a multiplicidade é a chave que abre a porta à harmonia.
O homem só alcança a liberdade, quando experimenta o aprisionamento;
só entende a alegria, quando conhece a tristeza;
só encontra o espírito, quando aceita o seu corpo físico, mortal.
Sem defender a justiça e a equanimidade na Terra, o
homem não pode esperar o paraíso no Céu.
Ignorar uma dimensão da Vida não pode gerar equilíbrio;
o despertar do homem tem de ser feito em todas as direcções, e,
sem nada rejeitar em si mesmo, nada rejeita, de igual modo,
no universo, pois que tudo faz parte da essência da Vida.
Assim, acordar para a tristeza e para a dor é despertar para a alegria

e para a plenitude.

Um homem na cidade

Todo o espaço natural é mais vibrante e são e o homem carece do contacto com amplos espaços abertos, onde possa respirar e fruir...