Aquilo que, quando nos falta, nos dá infelicidade, é objecto da nossa identificação. Desidentificarmo-nos é um passo importante no processo do nosso crescimento pessoal.
À medida que avança na desidentificação, o homem vai-se tornando cada vez mais invulnerável aos acontecimentos, às coisas, factos, pessoas e até ao seu próprio corpo físico. Eu não sou o meu emprego. Eu não sou a minha casa e o meu automóvel. Eu não sou o meu corpo, que adoece, envelhece, morre. Eu sou isso, mas sou igualmente para além disso.
Sentimo-nos resvalar, quando, alguma coisa que pensamos, ilusoriamente, que nos dá segurança, se perde. E isso, justamente, é o mais natural na vida, pois a essência da própria vida é a mudança e a transformação. Nada permanece para sempre. Tudo está sujeito a um dinamismo. Então, porque é tão difícil para nós perder alguma coisa? A resposta está na identificação que fazemos entre nós (a nossa personalidade) e as pessoas, as coisas ou os objectos.
Se o meu referente pessoal de identidade, afirmação e segurança, estiver centrado no meu automóvel, sentir-me-ei infeliz se o perder, se ele for danificado ou qualquer outra coisa ocorrer. Se o meu referente pessoal de identidade, afirmação e segurança, estiver centrado numa outra pessoa, sentir-me-ei em desequilíbrio, se essa pessoa me faltar ou se afastar ou eu a perder. Se o meu referente pessoal de identidade, afirmação e segurança, estiver centrado numa circunstância ou situação específica da minha realidade, sentir-me-ei perdido se ela se transformar.
Justamente este é o equívoco em que vivemos. Vivemos dependentes de tudo o que é exterior a nós, em vez de seguirmos a via da identificação interior com o nosso ser a nível da alma. Ora, cada vez mais, a sociedade, sob todas as formas, favorece as identificações entre nós as coisas e os outros. E, incautamente, deixamo-nos enredar em todo este processo, que condiciona o nosso ser e lhe retira capacidade de expansão e de desenvolvimento.
Podemos viver toda a nossa vida num processo cumulativo de identificações permanentes e sucessivas, sem nunca darmos atenção àquilo que é, de facto, a nossa natureza substancial. Mas, também, podemos um dia despertar deste equívoco e avançar por uma nova via. O desconforto inicial é evidente. Faltar-nos-á, muitas vezes, o chão de uma pretensa, e ilusória, segurança, quando nos deixamos de identificar internamente com algo exterior a nós. Durante o processo, parecer-nos-á que a nossa identidade está ameaçada, que nos falta algo para ser reconhecidos pelos outros e também, e sobretudo, por nós próprios. E, não raro, a infelicidade e o desequilíbrio advêm da perda desse sentimento de identidade, tão necessária, mas que é falsa.
No entanto, quando reagimos com inteligência a estes sentimentos negativos, percebemos que o nosso eu-interno está muito para além de tudo o que é exterior, perecível e mutável. Muito para além disso, estamos nós mesmos – está a nossa alma, que é a fonte de toda a verdadeira identidade – e a imagem que manifestamos de nós aos outros não radica num conjunto de factores externos, mas sim na internalidade daquilo que somos.
Necessariamente, ganhamos confiança e tudo começa a abrir nas nossas vidas. As transformações, as perdas, as coisas, a materialidade e o exterior que nos rodeiam passam a ocupar um lugar não preponderante nas nossas vidas e deixam de ser objecto de identificação. Uma pessoa, uma coisa, algo de físico ou material, são vistos como circunstâncias presentes, com as quais, de modo algum, eu me identifico. Tudo isso será manifestação simples do meu presente e das minhas condicionantes de vida, mas há uma identidade própria, pessoal, que está para além disso e é ela a minha segurança; é ela que dinamiza o eu estar fisicamente presente; é ela a via para a minha felicidade individual.
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