Diante das nossas desventuras (e as dos outros) procuremos ficar serenos e silentes, para que possamos observar emocionalmente isentos o que está acontecendo. Quando interferirmos seja para acertar. A humanidade está precisando da ajuda dos homens e mulheres, que conservam lucidez e coerência e que, portanto, podem fazer algo.
Há um problema duradouro: perante uma dificuldade, uma desventura, envolvemo-nos emocionalmente, e não raro perdemos a capacidade de analisar a situação de uma forma isenta, lúcida e coerente. Isto marca o trilho das nossas vidas e condiciona-nos a uma esfera de acção pobre e instintiva, de que é difícil libertarmo-nos.
Mas, justamente, o necessário é que, na nossa esfera pessoal e na esfera dos outros, sejamos capazes de adquirir uma necessária serenidade que não deve ser confundida com frieza ou indiferença.
Ninguém questiona que a vida está repleta de dificuldades, desencantos e problemas. Um ideal de existência não existe e todos nós, mais certo ou mais tarde, nos deparamos com amargores, alguns terríveis e avassaladores, que assaltam sem aviso as nossas vidas. Também à nossa volta a perfeição não existe. Observamos problemas e dificuldades, infelicidades, doenças, mortes dramáticas, e um mundo que, longe de ser equilibrado, manifesta um total desrespeito pelo ser e pela própria vida, com misérias de toda a espécie, corrupção, guerras, fomes, padecimentos.
É difícil manter a serenidade perante tudo isto. É difícil, também, manter o silêncio. Há sempre uma emoção que desponta e uma palavra que tem de ser dita, mas, as mais das vezes, é dita como manifestação de uma emoção que explode sem controlo face às circunstâncias. Não é bem que assim seja. Não é bom que a palavra dita e a acção praticada seja consequência directa de uma emoção mal gerida, dentro de nós, sendo expressão de uma reacção instintiva.
Melhor será conseguir olhar. Pensar com serenidade. Ser capaz de observar os diferentes aspectos do problema. Ser capaz de interiorizar primeiro o acontecimento, e só depois actuar, intervir através da palavra ou da acção ponderadas.
Aquilo que verdadeiramente distingue o homem é, justamente, ser capaz da acção ponderada e não meramente instintiva, esta última só faz sentido perante um sinal de perigo ou de necessidade de sobrevivência. Em todos os outros casos, é benéfica a ponderação e a serenidade. Perante um problema grave e que influi negativamente na minha vida e na vida dos outros, fazer, primeiro a análise dos diferentes aspectos da questão (há sempre em tudo aspectos positivos e negativos) e agir depois.
Nestes casos, a resposta que vem do instinto é sobretudo uma resposta dominada pelo medo e que não é isenta. O medo tolda o raciocínio e a capacidade de acção. Também a emoção instintiva não é a melhor conselheira, domina a mente e perde-se um rasgo de acção consequente. Claro que o ideal é ser capaz de rapidamente raciocinar com isenção estabelecendo uma análise objectiva dos acontecimentos. E agir com uma finalidade abrangente e não egoísta. Muitas vezes os problemas pessoais resolvem-se melhor se perspectivarmos uma finalidade ou objectivo mais abrangente que envolva outras e diferentes pessoas, do que se nos detivermos na nossa vertente pessoal e egoísta de vida. Tudo no trilho da nossa vida deve, na medida do possível, procurar antever a uma objectivo e significado maiores. O que posso eu fazer pelos outros com a minha acção pessoal; ou como posso contribuir para a resolução do meu problema com vantagem também para outras pessoas. Esta dinâmica vivifica a vida, dá-lhe ânimo e brilho e torna tudo na existência mais suave e pleno de significado.
O silêncio e a isenção (pessoais e em relação aos outros) não podem ser confundidos com indiferença ou indolência. Há toda uma voz que se ouve, numa mente capaz de, fazendo silêncio, posicionar-se no trilho da vida.
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