A capacidade de discernir entre o falso e o verdadeiro, entre o efémero e o eterno, é discriminação. Esta faculdade é a luz do espírito (o eu-interno) que vê além das aparências. Uma mente discriminadora não cai presa das ilusões do mundo, vê para além das sombras da realidade; não está presa ao medo e ao apego. A discriminação é sabedoria.
Um ser humano (penso) deve ser auto-suficiente. Esse é o primeiro e derradeiro passo para alcançar a capacidade de discriminar. Não importa tanto avaliar se o discernimento é feito com sagacidade; porque o que é importante, de facto, é que sejamos capazes de ver algo genuíno, vindo do nosso ser, para além dos traços palpáveis da realidade, espelhados no olhar da maioria daqueles que nos rodeiam. Justamente, sermos capazes de nos orientarmos pela nossa visão pessoal e de imprimirmos uma diferença na nossa vida, independentemente da visão dos outros, é o mais importante.
Quando isso, finalmente, em algum momento, sucede, alcançamos a verdadeira liberdade, que, não sendo uma liberdade absoluta, nos permite, ainda assim, confiar em nós mesmos. A partir daí, pouco importa como os outros, a sociedade, os amigos, os conhecidos, nos vêem e olham para nós. De pouco importa, se é extraordinário ou não aquilo que fazemos; o que interessa, verdadeiramente, é que distinguimos o falso do verdadeiro, à luz da nossa vivência interna e pessoal, que é o foco irradiador da nossa autenticidade particular, única e inconfundível - que é o que é realmente genuíno.
Poderemos chamar a isto sabedoria. Uma sabedoria interna, instalada no mais profundo do nosso ser e que se alimenta, justamente, do nosso rasgo de agirmos sem estarmos coagidos pelo medo das circunstâncias. Esta é uma das muitas ilusões do mundo que é preciso dissolver, criando uma segurança interna que nos permita ser livres mesmo, independentemente das condicionantes específicas das vidas de cada um de nós.
Ninguém alcança a capacidade de discernir, sem que antes tenha alcançado a liberdade que lhe permite ter um olhar diferenciado sobre a realidade e as circunstâncias. As sombras que obscurecem o ser estão continuamente ao nosso lado e delas dependemos, quando, para ser e para agir, carecemos da aprovação dos outros, e nos tornamos incapazes de discriminar autonomamente. O problema é que desde que nascemos vivemos nesta prisão e não conhecemos (e até tememos) a ideia de liberdade. As vozes que nos envolvem advertem-nos sempre para o perigo da emancipação, para o perigo de pensarmos por nós mesmos, para o perigo de perseguirmos a nossa autenticidade. Assim, não há discernimento possível, porque estamos acorrentados ao ideário comum de todo o cidadão ilusoriamente bem comportado, que, ainda que viva preso, pensa que se sente feliz, porque vive uma vida igual que não contém riscos, pois não põe em causa, através de si mesmo e da vida que vive, nada a nenhum nível da sociedade, quer no campo do pessoal quer no campo do colectivo.
A prisão torna-se então doce, e é querida. Desejamos ser dependentes e desejamos também que os outros sejam dependentes de nós. Tudo pode ser escuro à nossa volta, mas desejamos que antes assim seja do que rompermos as grades do medo que nos apavora e tomarmos as rédeas claras de uma vida livre, que envolve sempre o risco da escolha e do erro no discernimento. Mas antes o erro. Pois o erro representa uma mais avançada etapa no nosso percurso de crescimento e maturidade. Antes o erro do que um falso caminho de pretensa segurança, onde para sempre seremos escravos de nós mesmos, alheios à grandeza de todo o gesto livre, que, no final, sempre nos conduzirá vitoriosamente à sabedoria de uma acção consequente, porque capaz de discriminar.
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