8. Itinerário


Selecione as suas companhias. Analise os grupos de que faz parte.

         No confronto da realidade diária e quotidiana, o aspeto que ressalta, e que é mais relevante, é o do nosso encontro com os outros. Toda a dinâmica da nossa existência se estabelece tendo por base as relações que desenvolvemos com todos aqueles que nos rodeiam e os grupos que, voluntariamente, integramos. É bem certo o ditado: “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”. Na sabedoria popular, este ensinamento, que se expressa de uma forma tão simples, encerra uma grande verdade. De facto, nós, todos nós, somos permeáveis aos outros. E, de certa forma, os outros são um espelho de quem nós somos. Digamos que cada ser com quem eu me relaciono reflete uma certa imagem de mim, uma certa parte, ou partes, de mim, de quem eu sou, da minha verdadeira natureza. Por isso, devemos estar atentos ao reflexo de nós próprios que se manifesta em todo e cada um dos seres com quem nos relacionamos. Se os nossos amigos são agressivos, maldizentes, arrogantes, egoístas, mesquinhos, é sinal de que algo disso mesmo existe em nós próprios. Pode não existir no mesmo grau de grandeza, mas seguramente algo dessa qualidade está presente no nosso ser mais íntimo. Caso contrário, a Vida, a partir de nós próprios, encarregar-se-ia de criar um afastamento ou uma cisão. E isto é tanto verdade que qualquer indivíduo que se encontre numa caminhada de amadurecimento interior verifica que a realidade exterior vai também ela mudando à sua volta. Manifestação disto mesmo é o afastamento de certas pessoas na sua vida. Na maior parte dos casos não há zanga nem fricção. O que apenas acontece é um processo natural de distanciamento motivado pelo facto de já não existir uma dinâmica de interação entre duas ou mais pessoas ou entre uma pessoa e um grupo. Digamos que as características do indivíduo se transformaram e os outros já não são mais o espelho da sua natureza. Não raro, este itinerário de vida, é desafiador. O indivíduo que não cristaliza numa forma estática encontra, no seu caminho, as dificuldades próprias do processo que está a realizar. E essas dificuldades são que, não raro, muitas vezes, se tem de confrontar com a realidade de não existirem outros à sua volta. Contudo, se o seu processo de transformação interior for dinâmico e saudável, o indivíduo pode estar certo que esses momentos são apenas transitórios. Do curso natural da vida, resultará um equilíbrio, traduzido no encontro com outros e novos seres ou grupos, capazes de potenciar aquele que é o patamar da nova maturidade alcançada. Por isso, é tão importante refletir e analisar a dinâmica da nossa relação com os outros. Estar ao lado de alguém sem convicção, participar em diálogos sem um envolvimento de verdade, ser por imitação e apenas para colher uma falsa ideia de pertença são procedimentos absolutamente errados e apenas ditados por uma imaturidade interior que se traduz numa falta de confiança em nós próprios e que não promove o florescimento do nosso eu real.

            

7. Curso


A confiança na Vida é como o vento que sopra. Isto é, sem confiança, o esforço humano é inoperante, rende pouco.

            Como todas as coisas importantes, a confiança na Vida, segue um curso favorável se soubermos agradecer tudo na nossa existência, mesmo o que, à primeira vista, se afigura como negativo ou até dramático.
            A confiança na Vida não se expressa, contudo, em palavras, mas, sim, nas nossas acções. O que importa é o que faço e como reajo perante uma adversidade. Se tomo a atitude de me lamentar e cristalizo nesse lamento, tornando-me incapaz e vítima das circunstâncias, então demonstro que não tenho confiança na Vida, e tudo o mais que suceda, provavelmente, será a confirmação desta minha crença interna e de nada me vale o que possa dizer. Pelo contrário, se reajo com a certeza de que o bem chegará e que, de alguma forma, as coisas se modificarão, se não perco tempo com lástimas e comiserações, e avanço, chegará o momento em que a situação necessariamente se transformará a meu favor.
            Este é o espírito da Roda da Fortuna. A roda gira, não está imóvel, e tal como ela a vida tem altos e baixos. O segredo está em ter confiança e saber que o movimento é cíclico e que há momentos em que é necessário aguardar com calma pelas transformações que hão-de ocorrer, tendo o homem, como parte activa, uma acção confiante e não desanimadora. Cruzar os braços inibe-nos de acompanhar o movimento da roda e seguir o seu ciclo. Saber precaver-nos perante os momentos mais difíceis e saber aguardar com serenidade pelas alturas mais favoráveis, é o ideal que devemos procurar alimentar em nós.
            O desalento que mortifica nunca é bom conselheiro e de nada serve quando as dificuldades carecem acima de tudo e sempre de uma acção desencadeadora, que movimente a dinâmica do processo, que se traduz  no movimento da própria roda. Confiar na Vida é também sinónimo de confiarmos em nós próprios, sem ficarmos à espera que alguém ou algo exterior a nós venha resolver o assunto ou o problema. Tomar decisões, agir, mas sobretudo pôr de lado as vozes das lamentações, da desesperança e da autocomiseração.
            Ser vítima, de nada serve. Não raro, colhemos o que semeámos, e as nossas vidas espelham o resultado dos nossos actos. O curso da existência é simples. Tenho eu confiança em mim própria e acredito nas minhas capacidades? Ou aceito resignada qualquer situação e depois lamento-me de que a minha vida é adversa e está além das minhas potencialidades e sonhos?

            O curso da existência é justo e equilibrado e, as mais das vezes, para nos permitir reorganizar, a vida põe-nos frente a um problema, que, sendo resolvido, nos colocará numa melhor e mais desejada situação. Por isso, confiar no curso da vida é a mais simples forma de ter fé. A fé não carece de explicação, limita-se a ser. E a sua única autenticidade é mesmo essa. Manter a mais perfeita convicção que tudo na nossa vida acontece para o bem é a mais verdadeira e amadurecida forma de ser. O que significa  também que, não importa a vereda em que nos encontramos, se, acima de tudo, confiarmos na Vida.

6. Vereda

A principal missão do homem, em sua vida, é dar à luz a si mesmo e tornar-se aquilo que ele é potencialmente.

       Doutrinas, dogmas, ou rituais, ou livros, ou templos, são somente detalhes secundários. Nós somos o que imaginamos ser. O facto de existirmos é determinante para que possamos actualizar a nossa potencialidade. Daí a importância da palavra e do pensamento positivo como forma de impulsionarem uma transformação significativa, dando luz a um novo ser nascido da potencialidade que cada um de nós traz para a sua vida.
É verosímil e provável que tenhamos consciência de que, ao longo das nossas vidas, não só nos vamos modificando e crescendo, como, não raro, em determinados momentos, temos consciência de darmos à luz um novo eu. Isto acontece, sobretudo, após um período, que pode ser longo, de análise e estudo do ser; ou como resultado de circunstâncias, que tantas vezes, à partida, pareceram adversas ou desprovidas de sentido claro. São veredas insuspeitas, estes caminhos que a Vida vai escolhendo para nós e que permitem uma verdadeira transformação interior.
Mas, nada disto, neste processo, é secundário. Verdadeiramente, ele é essencial - é mesmo o que de mais importante podemos fazer com as nossas vidas, com o facto real, objectivo e concreto de existirmos. Na sua essência, o homem detém a capacidade de progredir e de se aperfeiçoar. É a isto que visa a existência, o estudo e o saber. A sabedoria é, em particular, a consciência que o homem tem de que pode, a cada passo da sua vida, melhorar e progredir, transformando-se.
Não há missão mais importante, excluindo, naturalmente, o que são as nossas responsabilidades pessoais e colectivas na nossa vida em sociedade. Mas quando o homem encontra tempo e disponibilidade para si mesmo, tudo à sua volta se conjuga de modo a dar- lhe verdadeiras oportunidades de transformação.
Será que para isto é necessário um recolhimento e uma situação privilegiada? Claro que não. A Vida na sua grandeza providencia a todos nós o espaço-tempo necessário e adequado para serem operadas as mudanças, tanto que estejamos conscientes, que despertemos, para a necessidade de melhorarmos, de nos aperfeiçoarmos, de progredirmos. Para isto acontecer, basta querer e basta entender que o objectivo do ser humano é o aperfeiçoamento decorrente do ganho de consciência.
Não há momento mais belo na vida, que não aquele em que tomamos consciência que somos uma nova pessoa acabada de nascer com todas expectativas e potencialidades de um ser novo sobre a Terra. Desperta em nós um novo olhar sobre as coisas e a realidade e percebemos que pensamos e sentimos diferentemente do que pensávamos ou sentíamos há uns meses ou há uns anos atrás. Despertada uma nova consciência e um novo ser. posicionamo-nos na vida com um outro sentimento mais robusto, mas também mais jovem, que nos torna empreendedores e receptivos a diferentes desafios e a diferentes situações. Jorra, então, em nós uma frescura de Primavera recém chegada e acreditamos que temos forças antes insuspeitas. É um júbilo e um alegria. Como perante qualquer nascimento, sentimos amor e ternura por nós próprios, e entramos na vereda novíssima da realidade pura que somos, enquanto seres dotados de inteligência e intuição verdadeiras. Esta é a mais nobre missão do ser.



5. Via

 Aquilo que, quando nos falta, nos dá infelicidade, é objecto da nossa identificação.  Desidentificarmo-nos é um passo importante no processo do nosso crescimento pessoal.

            À medida que avança na desidentificação, o homem vai-se tornando cada vez mais invulnerável aos acontecimentos, às coisas, factos, pessoas e até ao seu próprio corpo físico. Eu não sou o meu emprego. Eu não sou a minha casa e o meu automóvel. Eu não sou o meu corpo, que adoece, envelhece, morre. Eu sou isso, mas sou igualmente para além disso.
            Sentimo-nos resvalar, quando, alguma coisa que pensamos, ilusoriamente, que nos dá segurança, se perde. E isso, justamente, é o mais natural na vida, pois a essência da própria vida é a mudança e a transformação. Nada permanece para sempre. Tudo está sujeito a um dinamismo. Então, porque é tão difícil para nós perder alguma coisa? A resposta está na identificação que fazemos entre nós (a nossa personalidade) e as pessoas, as coisas ou os objectos.
            Se o meu referente pessoal de identidade, afirmação e segurança, estiver centrado no meu automóvel, sentir-me-ei infeliz se o perder, se ele for danificado ou qualquer outra coisa ocorrer. Se o meu referente pessoal de identidade, afirmação e segurança, estiver centrado numa outra pessoa, sentir-me-ei em desequilíbrio, se essa pessoa me faltar ou se afastar ou eu a perder. Se o meu referente pessoal de identidade, afirmação e segurança, estiver centrado numa circunstância ou situação específica da minha realidade, sentir-me-ei perdido se ela se transformar.
            Justamente este é o equívoco em que vivemos. Vivemos dependentes de tudo o que é exterior a nós, em vez de seguirmos a via da identificação interior com o nosso ser a nível da alma. Ora, cada vez mais, a sociedade, sob todas as formas, favorece as identificações entre nós as coisas e os outros. E, incautamente, deixamo-nos enredar em todo este processo, que condiciona o nosso ser e lhe retira capacidade de expansão e de desenvolvimento.
            Podemos viver toda a nossa vida num processo cumulativo de identificações permanentes e sucessivas, sem nunca darmos atenção àquilo que é, de facto, a nossa natureza substancial. Mas, também, podemos um dia despertar deste equívoco e avançar por uma nova via. O desconforto inicial é evidente. Faltar-nos-á, muitas vezes, o chão de uma pretensa, e ilusória, segurança, quando nos deixamos de identificar internamente com algo exterior a nós. Durante o processo, parecer-nos-á que a nossa identidade está ameaçada, que nos falta algo para ser reconhecidos pelos outros e também, e sobretudo, por nós próprios. E, não raro, a infelicidade e o desequilíbrio advêm da perda desse sentimento de identidade, tão necessária, mas que é falsa.
            No entanto, quando reagimos com inteligência a estes sentimentos negativos, percebemos que o nosso eu-interno está muito para além de tudo o que é exterior, perecível e mutável. Muito para além disso, estamos nós mesmos – está a nossa alma, que é a fonte de toda a verdadeira identidade – e a imagem que manifestamos de nós aos outros não radica num conjunto de factores externos, mas sim na internalidade daquilo que somos.
            Necessariamente, ganhamos confiança e tudo começa a abrir nas nossas vidas. As transformações, as perdas, as coisas, a materialidade e o exterior que nos rodeiam passam a ocupar um lugar não preponderante nas nossas vidas e deixam de ser objecto de identificação. Uma pessoa, uma coisa, algo de físico ou material, são vistos como circunstâncias presentes, com as quais, de modo algum, eu me identifico. Tudo isso será manifestação simples do meu presente e das minhas condicionantes de vida, mas há uma identidade própria, pessoal, que está para além disso e é ela a minha segurança; é ela que dinamiza o eu estar fisicamente presente; é ela a via para a minha felicidade individual. 

              

4. Trilho

Diante das nossas desventuras (e as dos outros) procuremos ficar serenos e silentes, para  que possamos observar emocionalmente isentos o que está acontecendo. Quando interferirmos seja para acertar. A humanidade está precisando da ajuda dos homens e mulheres, que conservam lucidez e coerência e que, portanto, podem fazer algo.

            Há um problema duradouro: perante uma dificuldade, uma desventura, envolvemo-nos emocionalmente, e não raro perdemos a capacidade de analisar a situação de uma forma isenta, lúcida e coerente. Isto marca o trilho das nossas vidas e condiciona-nos a uma esfera de acção pobre e instintiva, de que é difícil libertarmo-nos.
            Mas, justamente, o necessário é que, na nossa esfera pessoal e na esfera dos outros, sejamos capazes de adquirir uma necessária serenidade que não deve ser confundida com frieza ou indiferença.
            Ninguém questiona que a vida está repleta de dificuldades, desencantos e problemas. Um ideal de existência não existe e todos nós, mais certo ou mais tarde, nos deparamos com amargores, alguns terríveis e avassaladores, que assaltam sem aviso as nossas vidas. Também à nossa volta a perfeição não existe. Observamos problemas e dificuldades, infelicidades, doenças, mortes dramáticas, e um mundo que, longe de ser equilibrado, manifesta um total desrespeito pelo ser e pela própria vida, com misérias de toda a espécie, corrupção, guerras, fomes, padecimentos.
            É difícil manter a serenidade perante tudo isto. É difícil, também, manter o silêncio. Há sempre uma emoção que desponta e uma palavra que tem de ser dita, mas, as mais das vezes, é dita como manifestação de uma emoção que explode sem controlo face às circunstâncias. Não é bem que assim seja. Não é bom que a palavra dita e a acção praticada seja consequência directa de uma emoção mal gerida, dentro de nós, sendo expressão de uma reacção instintiva.
            Melhor será conseguir olhar. Pensar com serenidade. Ser capaz de observar os diferentes aspectos do problema. Ser capaz de interiorizar primeiro o acontecimento, e só depois actuar, intervir através da palavra ou da acção ponderadas.
            Aquilo que verdadeiramente distingue o homem é, justamente,  ser capaz da acção ponderada e não meramente instintiva, esta última só faz sentido perante um sinal de perigo ou de necessidade de sobrevivência. Em todos os outros casos, é benéfica a ponderação e a serenidade. Perante um  problema  grave e que influi negativamente na minha vida e na vida dos outros, fazer, primeiro a análise dos diferentes aspectos da questão (há sempre em tudo aspectos positivos e negativos) e agir depois.
Nestes casos, a resposta que vem do instinto é sobretudo uma resposta dominada pelo medo e que não é isenta. O medo tolda o raciocínio e a capacidade de acção. Também a emoção instintiva não é a melhor conselheira, domina a mente e perde-se um rasgo de acção consequente. Claro que o ideal é ser capaz de rapidamente raciocinar com isenção estabelecendo uma análise objectiva dos acontecimentos. E agir com uma  finalidade abrangente e não egoísta. Muitas vezes os problemas pessoais resolvem-se melhor se perspectivarmos uma finalidade ou objectivo mais abrangente que envolva outras e diferentes pessoas, do  que se nos detivermos na nossa vertente pessoal e egoísta de vida. Tudo no trilho da nossa vida deve, na medida do possível, procurar antever a uma objectivo e significado maiores. O que posso eu fazer pelos outros com a minha acção pessoal; ou como posso contribuir para a resolução do meu problema com vantagem também para outras pessoas. Esta dinâmica vivifica a vida, dá-lhe ânimo e brilho e torna tudo na existência mais suave e pleno de significado.
            O silêncio e a isenção (pessoais e em relação aos outros) não podem ser confundidos com indiferença ou indolência. Há toda uma voz que se ouve, numa mente capaz de, fazendo silêncio, posicionar-se no trilho da vida.




3. Senda

Conhecer-se a si mesmo é desiludir-se. Desiludir-se é progredir.

            Os obstáculos que mais dificultam o julgamento de nós mesmos são a auto-complacência, a autopiedade, e a severidade. Qualquer destas atitudes é fonte de alguma espécie de ignorância. Para se conhecer a si mesmo, é necessária uma atitude de isenção, coragem e tranquilidade. Aceitarmo-nos tal como somos, é, na verdade, a única maneira de conseguirmos saber o que precisamos transformar em nós.
            Esta é a senda de qualquer ser humano. Verdadeiro ponto de partida imprescindível para qualquer que seja a caminhada de progresso que se queira realizar. Não há como ser muito espiritual, ou moralmente muito digno, sem que antes se tenha feito um verdadeiro exame de consciência, uma auto-análise rigorosa, através da qual nos desiludimos em relação a nós próprios.
            Justamente, muitos temem (ou não são capazes) fazer esta análise interna de uma forma verdadeiramente autêntica. É doloroso verificarmos que, no fundo, não somos seres completos no sentido de perfeitos. E, sobretudo, que as máculas que observamos nos outros estão também contidas em cada um de nós. No entanto, este exame imparcial é a substância e fonte de uma transformação vivificadora. Verdadeiramente capaz de produzir milagres nas nossas vidas. O conhece-te a ti mesmo é o mecanismo de acção real que transforma, redime e impulsiona.
            Não há caminhada transformadora que não passe por este processo. O resultado, como em tudo significativo na vida, não é imediato. Todo o processo carece de uma lentidão indispensável para se consolidar como evolução. Mas, a dinâmica mais significativa é a capacidade de pormos de lado uma ideia simples que é: «eu sou melhor do que os outros». Isto implica abandonar o criticismo e ver com um olhar isento, sendo que se consiga criar distanciamento. Isto implica sermos o observador de nós próprios, não com a atitude de julgarmos como bom ou mau aquilo que somos e fazemos, mas com uma postura construtiva e transformadora, que visa ao aperfeiçoamento. Implica, também, o uso de uma fórmula simples e afirmativa, em todas as circunstâncias, que é: «eu sou capaz».
            Com esta atitude de isenção e desapego em relação a nós mesmos, podemos então observar quem somos. Gostaremos de umas coisas, que podemos, ainda assim, sempre aperfeiçoar, e detectaremos outras que convém corrigir, mudar ou dissolver. Sempre amorosamente observando, e estando conscientes de que ninguém é um produto acabado e como tal perfeito.
            O que posso fazer melhor? Quais são os meus pontos fortes? Quais são também os meus pontos fracos? Se mudasse este ou aquele aspecto, o que aconteceria na minha vida e na pessoa que hoje sou? Estas podem ser questões desencadeadoras de uma análise isenta e distanciada, sem medo, nem raiva, nem pena, nem desculpabilização.

            Mas, acima de tudo, o que é fundamental, é assumirmos uma postura de responsabilidade. Eu sou responsável porque quem hoje sou. Não sou vítima das circunstâncias nem dos outros. Sou o resultado das minhas escolhas, procedimentos, pensamentos e atitudes. Com esta postura dinâmica estamos prontos para entrar na senda da transformação vivificadora e construtiva a nível do eu e da personalidade.

2. Caminho

capacidade de discernir entre o falso e o verdadeiro, entre o efémero e o eterno, é discriminação. Esta faculdade é a luz do espírito (o eu-interno) que vê além das aparências. Uma mente discriminadora não cai presa das ilusões do mundo, vê para além das sombras da realidade; não está presa ao medo e ao apego. A discriminação é sabedoria.

            Um ser humano (penso) deve ser auto-suficiente. Esse é o primeiro e derradeiro passo para alcançar a capacidade de discriminar. Não importa tanto avaliar se o discernimento é feito com sagacidade; porque o que é importante, de facto, é que sejamos capazes de ver algo genuíno, vindo do nosso ser, para além dos traços palpáveis da realidade, espelhados no olhar da maioria daqueles que nos rodeiam. Justamente, sermos capazes de nos orientarmos pela nossa visão pessoal e de imprimirmos uma diferença na nossa vida, independentemente da visão dos outros, é o mais importante.
             Quando isso, finalmente, em algum momento, sucede, alcançamos a verdadeira liberdade, que, não sendo uma liberdade absoluta, nos permite, ainda assim, confiar em nós mesmos. A partir daí, pouco importa como os outros, a sociedade, os amigos, os conhecidos, nos vêem e olham para nós. De pouco importa, se é extraordinário ou não aquilo que fazemos; o que interessa, verdadeiramente, é que distinguimos o falso do verdadeiro, à luz da nossa vivência interna e pessoal, que é o foco irradiador da nossa autenticidade particular, única e inconfundível - que é o que é realmente genuíno.
            Poderemos chamar a isto sabedoria. Uma sabedoria interna, instalada no mais profundo do nosso ser e que se alimenta, justamente, do nosso rasgo de agirmos sem estarmos coagidos pelo medo das circunstâncias. Esta é uma das muitas ilusões do mundo que é preciso dissolver, criando uma segurança interna que nos permita ser livres mesmo, independentemente das condicionantes específicas das vidas de cada um de nós.
            Ninguém alcança a capacidade de discernir, sem que antes tenha alcançado a liberdade que lhe permite ter um olhar diferenciado sobre a realidade e as circunstâncias. As sombras que obscurecem o ser estão continuamente ao nosso lado e delas dependemos, quando, para ser e para agir, carecemos da aprovação dos outros, e nos tornamos incapazes de discriminar autonomamente. O problema é que desde que nascemos vivemos nesta prisão e não conhecemos (e até tememos) a ideia de liberdade. As vozes que nos envolvem advertem-nos sempre para o perigo da emancipação, para o perigo de pensarmos por nós mesmos, para o perigo de perseguirmos a nossa autenticidade. Assim, não há discernimento possível, porque estamos acorrentados ao ideário comum de todo o cidadão ilusoriamente bem comportado, que, ainda que viva preso, pensa que se sente feliz, porque vive uma vida igual que não contém riscos, pois não põe em causa, através de si mesmo e da vida que vive, nada a nenhum nível da sociedade, quer no campo do pessoal quer no campo do colectivo.
            A prisão torna-se então doce, e é querida. Desejamos ser dependentes e desejamos também que os outros sejam dependentes de nós. Tudo pode ser escuro à nossa volta, mas desejamos que antes assim seja do que rompermos as grades do medo que nos apavora e tomarmos as rédeas claras de uma vida livre, que envolve sempre o risco da escolha e do erro no discernimento. Mas antes o erro. Pois o erro representa uma mais avançada etapa no nosso percurso de crescimento e maturidade. Antes o erro do que um falso caminho de pretensa segurança, onde para sempre seremos escravos de nós mesmos, alheios à grandeza de todo o gesto livre, que, no final, sempre nos conduzirá vitoriosamente à sabedoria de uma acção consequente, porque capaz de discriminar.



1. Rota

O estudo do Ser, através da leitura de livros sagrados de todas as tradições religiosas e de toda a verdadeira literaturafilosófica ou outra, é uma forma de nos aproximarmos daquilo que é a realidade da existência.

            A ninguém espanta que o estudo seja uma componente essencial do quotidiano de cada ser humano. É equívoco pensar que o estudo corresponda exclusivamente a uma etapa infantil ou juvenil das nossas vidas. Ao emancipar-se, ao tornar-se adulto, ao homem cumpre continuar a estudar, contribuindo isso para manter  uma mente lúcida e receptiva até ao final da sua vida. Naturalmente, buscam-se áreas de interesse particulares consoante os indivíduos. É natural e compreensível que assim seja. Contudo, há uma questão básica, essencial, que atravessa todo o espírito humano em algum momento, e que está relacionada com a interrogação sobre o sentido da existência. Para esta questão, não há uma ciência, não há um saber, que se possa convocar ou memorizar, e que responda à nossa interrogação. Embora seja uma questão universal, certamente a mais universal de todas as questões, não há uma resposta assertiva. O que há, sim, é uma  multiplicidade de perspectivas decorrentes de múltiplos factores, desde geográficos e históricos a culturais. Diferentes povos, em diferentes momentos das suas histórias, encontraram respostas diversas, mas não será estranho constatar que em todas elas há uma base matricial comum, antiquíssima, e certamente, há muito, perdida no tempo.
            O estudo dinamiza não só a nossa mente como produz resultados positivos nas nossas vidas quotidianas, ao abrir-nos portas para uma atitude mais consciente e mais madura na nossa vivência do dia-a-dia. Uma mente aberta e esclarecida não põe de parte perspectivas diversas, antes as integra num todo polimórfico e produz, a partir  daí uma síntese pessoal, que não nega a autenticidade, sã e inspirada, de ideias genuínas.
            Para isto, o homem não tem necessariamente de se assumir como um ser religioso, a menos que se entenda como ser religioso todo o indivíduo que tem uma postura pró-activa de entendimento do sentido da existência. Na verdade, o estudo, através da leitura de um romance, de um poema, de um ensaio, de um texto filosófico, religioso, ou outro, acaba sempre por nos levar à questão fulcral que é: qual é o sentido da vida? O estudo, e a leitura, levam-nos sempre ao encontro do Ser e da natureza humana na sua dinâmica de existência real. Todo o grande pensador, todo o grande poeta, todo o grande filósofo, de algum modo fazem-nos reflectir sobre esta questão.
            E, justamente, neste ponto, o mais importante é a síntese que fazemos. O discernimento que alcançamos a partir da vastidão do nosso estudo. À partida, sabemos que não encontraremos uma resposta, mas apenas aproximações ao que é a realidade da existência. Mas há aqui todo um dinamismo que é essencial. Nós somos seres em evolução e em  acção mental permanente. A cada dia a nossa perspectiva é enriquecida com algo mais e, embora não atinjamos uma resposta concreta, pensamos e intuímos uma verdade, quanto mais a buscarmos.

            O que se pretende com a ideia de estudo é a não cristalização num modelo rígido e pré-definido assumido como a verdade absoluta. O estudo ensina-nos justamente que não é possível aceder à verdade, mas sim a verdades, que como peças de um gigantesco puzzle cabe a cada um de nós, individualmente, pelo crivo do seu pensamento e discernimento, ir intuitivamente montando. Através da prática do estudo aproximamo-nos de nós próprios e isso é justamente a aproximação possível ao sentido da própria Vida é, na verdade, a nossa rota de espírito. 

Um homem na cidade

Todo o espaço natural é mais vibrante e são e o homem carece do contacto com amplos espaços abertos, onde possa respirar e fruir...