No dia-a-dia
A cada momento a Vida exige-nos Coragem.
Sempre a Coragem é um desafio… aparentemente,
é mais seguro não agirmos ou não avançarmos…
aparentemente, se ficarmos escudados na nossa carapaça
das rotinas vividas no quotidiano, nada de surpreendente nos
acontecerá… pensamos nós. Mas não é assim.
Muitas vezes, os bravos guerreiros são empurrados pela Vida,
que lhes exige que dêem o salto tremendo sobre o desconhecido.
E, nesses momentos, confrontados com o abismo apenas,
não resta senão pular – esta é a Coragem que advém das
circunstâncias – uma espécie de Coragem que se descobre,
pois era desconhecida.
Mas não é desta Coragem que falamos. Falamos da Coragem
que se prende à vivência do quotidiano e ao crescimento do ser.
Falamos da Coragem para a mudança, para a transformação, em nós.
Falamos da Coragem para estar, por exemplo, só.
Falamos da Coragem para seguir um caminho novo, diferente,
desconhecido, não por imposição, mas por escolha, por abertura
à Vida.
De facto, tudo no universo vai no sentido da transformação, da
mudança, e, nessa dinâmica, a existência do homem não pode
estar dominada pela inércia e pelo estaticismo. Deve acompanhar
o movimento da Vida, não de uma forma circunstancial e impulsiva,
mas de uma forma consciente e emancipada.
A Coragem não deve ser pontual. A Coragem deve ser diária.
Deve fazer parte do quotidiano e da vida. E cada escolha deve
apontar para a eterna novidade presente no mundo. Então,
a transformação acontece, não de uma forma súbita, mas
de uma forma gradual.
Quando as escolhas não são feitas por medo, mas pelo conhecimento
da dinâmica da Vida, a Verdade passa a ser o elemento essencial
da nossa existência. E toda a Coragem reside, afinal, na Verdade
absoluta que cada única coisa possui. O primeiro e último desafio
é, com Coragem, atingir a Verdade de mim próprio. Esta será sempre
uma abertura para o novo, para a revelação.
Para além da mente
Vivendo aprisionado nas teias da mente,
o ser humano não é capaz de atingir um grau
de consciência mais elevado. Pode tactear nos
meandros de uma ilusão que o leva a pensar que
está certo e que os caminhos que segue são lúcidos,
mas, no fundo, está longe de si mesmo e da sua autenticidade,
está longe do seu verdadeiro ser.
Enquanto o passado aprisionar o nosso presente; enquanto
o futuro condicionar a nossa forma de estar; não há lugar
para um movimento inteligente.
Erradamente, associamos inteligência ao plano mental.
Mas, justamente, é quando nos libertamos dos condicionamentos
desse mesmo plano da mente, que atingimos uma inteligência
superior.
O plano mental dá-nos uma falsa segurança: perspectiva a nossa
existência a partir das memórias e das projecções – pode até
dar um sentimento de bem-estar... porque, vivendo apenas
ao nível da personalidade, nos faz pensar que na narrativa da nossa vida
há um contínuo e uma unidade em nós mesmos.
Mas, essa unidade, que realmente existe,
está presente, sim, numa dimensão superior, para além da mente;
é uma forma de consciência que se adquire quando o movimento
em nós abranda e o pensamento deixa de ser uma obsessão.
Existir está para além da mecânica do pensamento. Existir é, acima
de tudo, Estar. E este Estar evidencia tão somente aquele
sentimento de presença real, que é eterno, e que está para
além dos enredos da mente.
Atingir a consciência de si, vai muito para além de pensar em si e
nos aspectos e detalhes particulares de uma existência.
Atingir a consciência de si,
inscreve-se numa outra escala de grandeza. O silêncio,
a quietude mental, é talvez a forma mais próxima de
espelhar esta inteireza. Por isso, os meandros da mente
devem ser pacificados e os seus caminhos devem ser limpos.
Esquadrinhar ladainhas de lamúrias, de medos e desconfianças
não é um exercício saudável – ao invés, orientar o pensamento
para a paz e para a meditação, permite aceder à dimensão
da consciência e da sombra ascender à luz. E a luz não é
senão o encontro da inteireza em nós em cada momento da vida.
O amor
O que é, afinal, o amor? Indissociado da liberdade,
o amor é a expressão última do sentir autêntico do
nosso ser. É, dessa forma única, um reflexo de nós
próprios enquanto indivíduos separados que procuram
a unidade.
O verdadeiro amor é eterno e livre. Perdura para além das
condicionantes temporais da vida na Terra e manifesta-se
sobre a forma de uma liberdade absoluta. A medida do amor
é a imensa alegria de partilhar; mas, justamente, deverá tratar-se
de uma partilha em que no dar e no receber sempre nos ampliamos.
O olhar que me reduz ou me limita na busca da minha individualidade
própria não pode ser confundido com amor. Tal como a satisfação de
um desejo instintivo, que se esgota, porque não tem por onde
acrescentar mais Vida à minha existência, também não é amor.
Qualquer forma de medo, de dependência, pode ser confundida
com amor, se nos sentirmos fragilizados e carentes e sem uma
verdadeira auto-estima pessoal.
Por isso, só é possível amar, quando de todo não
estamos dependentes do outro. Quando no outro reconhecemos
apenas aquilo que nos faz crescer e nos amplia e que, voluntariamente,
partilhamos.
Por isso, também, o amor não existe se não se expressar em
inteira liberdade. O caminho do outro faz-se não na medida
da minha necessidade ou fragilidade pessoal, mas, sim, na medida
do crescimento interior que ele e eu precisamos atingir.
Não estar acompanhado por ter medo de estar só.
Não seguir uma mesma estrada por que não se tem um
caminho pessoal para cumprir.
O amor é, acima de tudo, um diálogo a nível interno,
a nível da alma. E, nesse diálogo, não pode haver prisão.
Não pode haver condicionamento. A única forma do amor
existir é alimentá-lo com a verdade e a liberdade. E, então,
amar mais não é do que abrir a alma ao outro em quem
eu reconheço qualidade – sem que qualquer forma de
escravidão condicione a expressão do afecto.
O amor é sempre livre: não comporta o medo nem a dependência.
Identidade
Como sempre, desde sempre, a sociedade não quer
ser perturbada. É da sua natureza procurar a regra e a
norma que disciplina todos os indivíduos, até mesmo os
que se dizem os mais corajosos e os mais rebeldes.
Por isso, não é fácil, no meio de uma multidão, encontrar
ainda que seja um só ser que se distinga da imensa massa
anónima, sem identidade, que forma cada uma das sociedades
do mundo. Na religião, ou na ausência dela, na política,
na cultura, na arte, o homem segue a corrente institucionalizada.
E essa corrente condu-lo pelo caminho mais estreito da vida.
O caminho onde não há veredas para explorar, nem bosques
para descobrir, nem montanhas para escalar. Este caminho, que
aparenta ser seguro, na verdade não o é. Na verdade, este
é o caminho que não permite o desabrochar do pensamento
próprio e pessoal nem a individuação do ser. Neste caminho,
não há criatividade genuína nem autenticidade verdadeira.
Neste caminho, o homem será apenas um simulacro de vida,
sem largueza de espírito nem ideias próprias.
Ao contrário, um pensador livre, um homem despido de
amarras e descomprometido, trilha a sua própria estrada e
não o caminho estreito que a sociedade lhe propõe para ele ser
aceite.
Quem assim faz está no mundo com toda a consciência de
quem é e do sentido da existência. Possivelmente, movimenta-se
na sociedade da mesma forma que todos os outros, mas a
atitude é diferente. Terá de ser um rebelde? Terá de ser um
revolucionário? Terá de ser um génio? Sim e não. Possivelmente,
passará até despercebido. Talvez, como peça solta que se move,
a grande multidão nem repare nele. Talvez, na sua inteireza
verdadeira, nem sequer queira ser notado. Mas, no fundo do seu ser,
haverá uma verticalidade absoluta que o eleva. Estes indivíduos que
têm uma natureza única equivalem-se seja qual for o país de origem,
seja qual for a cultura, ou a região onde vivam. O que os distingue
dos demais é que têm em si a qualidade primeira do ser humano,
a individualidade. São verdadeiramente indivíduos, no sentido de
que assumem uma identidade. E nada é mais importante para o
homem que ser quem É.
Criatividade
O que é ser criativo? O que significa a criatividade?
Mais do que um resultado, a criatividade expressa
um modo de ser e de estar; expressa uma atitude perante
a vida. Quando estamos atentos e inteiros naquilo
que fazemos, abrimos a porta que dá acesso à natureza
mais profunda do ser e permitimo-nos ser autênticos.
Justamente, essa inteireza, essa autenticidade, corresponde
a sermos criativos. Sempre que cada ser humano se
expressa na sua individualidade própria, na sua integridade
completa, sempre que um ser humano não se confunde
com outro ser, ele está a ser criativo. Está a abrir a porta
para aquilo que se reveste da sua originalidade e do seu
pensamento pessoal, independentemente da natureza da
tarefa que esteja a realizar.
Habitualmente, confundimos criatividade com reconhecimento
externo e com sucesso artístico ou social. Nada mais errado.
Isso significa que, ainda, ecoa dentro de nós uma necessidade
aguda de que os outros (quaisquer uns) nos dignifiquem. Não é
esse o caminho do homem consciente e emancipado.
A esfera dos outros, não sendo desprezável, não é, contudo,
a primeira ordem de grandeza. A primeiríssima de todas é
aquela que tem a ver com o bem-estar e a satisfação do
indivíduo, quando adultamente e responsavelmente, se
basta a si mesmo, independentemente das vozes que escuta
à sua volta.
Ser criativo, nesta forma de entendimento, é alcançar a
liberdade maior, a liberdade primeira e última do ser, que
é manifestar-se na sua especificidade. Todo e cada um de nós
tem algo a acrescentar ao Universo, sempre que aquilo que faz,
vindo do interior do ser, está em conexão com o fluxo da Vida.
Para que isto seja real e possível, cabe ao homem responder
a uma simples pergunta: «Quem sou eu?». E, quando emancipadamente,
o homem sabe quem é, toda a sua acção é única, construtiva e
criativa, pois tem origem naquilo que individualiza cada ser.
Tal como não há duas linhas das mãos iguais, também não há
duas formas idênticas de nos expressarmos na vida. Cabe a cada
um encontrar a sua inteireza: a sua individualidade. Então, aquilo
que se realiza e como se realiza, é vivo e original, é criativo,
é expressão da alma.
A verdade interior
Ao longo da nossa vida, há muitos momentos
em que inúmeras vozes, contraditórias, por vezes, nos
atropelam e, consequentemente, nos ameaçam.
Estas vozes são interiores, mas não provêem de um centramento,
não provêem de um equilíbrio próprio. São as vozes que reproduzimos
do quotidiano e da sociedade. São, em certa medida, as vozes de uma
loucura colectiva para a qual somos arrastados desde a nascença.
Por isso é tão difícil encontrarmos aquela centelha de luz interna
que, essa, sim, nos confere integridade e individuação. Não raro, até,
a tememos porque ela nos vai afastar do padrão da dita
normalidade social. Como seremos olhados? O que pensarão de nós?
Será real ou absurda a nossa verdade interna? Por isso, quantas vezes
não preferimos a esquizofrenia interior das múltiplas vozes, que, embora
ameaçando um equilíbrio saudável, que, embora causando sofrimento
e tristeza, no fundo, nos pacificam e normalizam aos olhos dos outros e,
sobretudo, também, aos nossos próprios olhos.
Na sociedade em que vivemos, é normal sentirmo-nos deprimidos, tristes,
cansados até à exaustão, é normal desejarmos a satisfação efémera
de instintos e desejos, é normal consumirmos e esgotarmo-nos, é
normal querermo-nos sentir idênticos, seguindo caminhos iguais. Este
é o padrão desestruturante que a sociedade reconhece como normal.
Fugir a ele é fugir às vozes que nos atropelam. É, verdadeiramente,
encontrar novos paradigmas, naturalmente, próprios, pessoais,
individualizadores.
Mas como o fazer? A resposta é: com verdade e com coragem.
E estas duas coisas levam-nos ao âmago profundo de um equilíbrio
interno – a uma só voz – que reconhece nas condicionantes da vida
apenas o caminho viável para a evolução da nossa consciência.
Num determinado sentido, alcançar uma maior maturidade interior
conduz-nos a um centramento pessoal que permite o descondicionamento
face às vozes obscuras que pululam em torno de nós. E, então, a diferença
entre nós e os outros é vista como natural e necessária. A individuação
transporta uma marca de criatividade; torna-se a nossa maneira e o nosso
contributo para a imensidão da Vida. Deixa de ser um estigma, torna-se
uma verdade própria. Sempre, o homem que sabe quem é, sabe, também,
qual é o seu contributo individual para a Vida, sabe, também, qual é
a sua verdade interna – escuta, em suma, uma só voz. Interna, pessoal,
intransmissível.
Unidade na dualidade
O ser que se sente só e isolado,
o ser que não sente que pertence ao fluxo
constante e ininterrupto da existência, é um
ser em sofrimento. Logo, não pode ser feliz
nem tão pouco sentir-se como uma parte
da unidade que representa a Vida na sua expressão
universal.
No mundo, a dualidade presente faz-nos sentir que algo falta
em nós; mas se algo falta em nós (que somos uma parte do Todo),
então, algo falta também ao Universo – o que não é razoável.
O sentimento de estar à parte é ilusório,
em cada momento, partilhamos integralmente
o devir universal: a respiração e o nosso bater do coração
deixam bem claro que assim é. A cada momento uma parte
de nós está em profunda sintonia com a Vida e essa parte
não sente nem amargura nem cansaço nem dor nem tristeza –
essa parte de nós, substancial, partilha o fluxo da vida e cada
um dos nossos átomos é da matéria de que as estrelas são feitas.
Então, onde reside o problema do ser humano? O problema
reside na mente. Imaturamente, não estamos preparados
para um diálogo com a nossa alma. Razões culturais, familiares,
e muitas outras, atiram-nos para o abismo da separatividade.
Medimos o sucesso da nossa existência pelas regras do mundo
e, em larga medida, acreditamos que existimos por acaso.
Não é assim, cada vida tem um propósito,
tal como cada dedo de uma mão tem uma função,
tal como uma flor num campo não é apenas mais
uma flor, mas, ao contrário, existe por que, tal como
tudo o que se manifesta no palco do mundo, também
ela é necessária.
Quando acreditamos que temos a ver com tudo o que
existe, sentimo-nos em casa; encontramos, finalmente,
o lar – e nesse lar o amor eterno que nos acolhe.
A proposta da Vida, para cada um de nós, é reencontrarmos
a unidade. Quando isso acontece, um céu de estrelas, à noite,
ganha uma nova dimensão. E, do mais profundo, a nossa alma
encontra o caminho da liberdade.
A Confiança
É mesmo extraordinário que,
quando chegamos a um culminar de
conhecimento de vida, a verdade que se afigura
é que basta ter confiança. Nada mais do que isso.
Ora isto vai contra o sentido habitual de tudo
o que aprendemos. Ensinam-nos sempre a estar
em alerta. Ensinam-nos a sermos avisados e, naturalmente,
desconfiados. Desconfiados até quando as circunstâncias são,
aparentemente, felizes e os tempos auspiciosos. Desconfiados
até quando os outros, próximos de nós, são simpáticos e agradáveis.
Ensinam-nos a não confiar. A estar em alerta.
A acreditar que em tudo, e em todos os
momentos, se repetem as experiências que colhemos no passado;
quase sempre más.
Mas há um saber que nos movimenta num outro sentido. Um sentido
mais sério e natural. Mais fluido e simples. Esse sentido está representado
na palavra confiança. A confiança não leva a mais nada senão do que
à pureza como estado natural. E, sobretudo, desvia-nos da mecânica
do trabalhar constante da mente, que nos alerta, nos intimida,
e nos provoca, em suma, o medo. Quando em alerta excessivo, a mente
e a pessoa tombam doentes. A depressão ou até a psicose são reflexos
desta atitude de suspeição que se apodera do ser.
Em quem confiar, então? Diria, confiar em todos e em tudo, não
com a inconsciência de um tolo; mas com a sabedoria de um
mestre. Esta confiança nasce de um centro interno que não permite
senão o bom senso, mesmo quando aparenta o contrário.
Mas, justamente, esta confiança de que falamos
tem uma particularidade: ela nasce a meio da vida do indivíduo.
Nasce, como ganho de uma maior consciência. Esta confiança
é uma confiança consciente, adulta, matura, responsável.
Confiar não é deixar de fazer escolhas; mas é, acima de tudo,
fluir a par com a Vida. Lançado na corrente, o homem não
se debate, adapta-se e integra-se. Passa a fazer parte da corrente
do rio e aceita qualquer porto. Aceita até a morte.
Numa palavra, confiar é eliminar todos os medos. O medo
é o que mais fragiliza o ser humano e o impede de ser naturalmente feliz.
A confiança, ao contrário, faz-nos ver que tudo está sempre certo.
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